À primeira vista, o ditador da China, Xi Jinping, parece ser o cartão de seguro de Vladimir Putin em um momento especialmente preocupante para a Rússia geopoliticamente. Os dois homens fortes se encontraram mais de três dúzias de vezes desde 2013, a última resultando em uma declaração conjunta de 5.000 palavras de elogios ao relacionamento Rússia-China como um contrapeso ao que eles rotulam como “hegemonia dos EUA”.
No entanto, a guerra de quatro meses da Rússia na Ucrânia está adicionando alguns tremores à chamada parceria sem limites. Não há dúvida de que a China apoiou Moscou no tribunal da opinião pública internacional, se opôs firmemente às sanções dos EUA e da UE contra a Rússia e culpou a OTAN por instigar a guerra. Mas também é indiscutível que Pequim é cautelosa quanto ao apoio que oferece aos russos. Xi pode olhar para Putin como o líder por excelência, mas não está disposto a minar os próprios interesses estratégicos da China para resgatar seu amigo russo.
É claro que a China ajudará a Rússia na medida do possível. Assim como Pequim ofereceu à Rússia uma tábua de salvação econômica quando os EUA e a Europa impuseram sanções contra Moscou após a anexação da Crimeia em 2014, Pequim tentará isolar Moscou do choque econômico. Enquanto os países do Ocidente estão diminuindo seus vínculos econômicos com a Rússia e eliminando gradualmente o petróleo russo, a China está comprando barris russos com satisfação – permitindo que Moscou recupere algumas perdas que sofreria como resultado dos embargos ocidentais. A compra de energia russa pela China, incluindo petróleo, gás e carvão, aumentou 75% em abril, indo para mais de US$ 6 bilhões. O comércio geral da China com a Rússia aumentou 12% em março, apesar de Putin ter ordenado a invasão da Ucrânia um mês antes.
Os chineses também não têm medo de defender a Rússia no cenário diplomático. Pequim instruiu seus diplomatas a não apoiarem as resoluções da ONU de autoria dos EUA e do Ocidente condenando a guerra injustificada da Rússia e pedindo a retirada das forças russas. Isso não é uma surpresa: Rússia e China têm se unido cada vez mais no Conselho de Segurança para impedir as iniciativas dos EUA. Mas reforça a crença dentro dos círculos políticos russos de que Moscou deve melhorar as relações com a China em vez de repará-las com o Ocidente.
Mas seria um erro categorizar os laços Rússia-China como somente raios de sol e rosas. Altos funcionários chineses e russos podem meditar sobre sua amizade eterna o quanto quiserem. A realidade é que Pequim e Moscou têm patrimônios diferentes para preservar e proteger. Não há dois países com interesses idênticos, não importa quanta afinidade seus líderes possam ter um com o outro.
Isso está acontecendo em plena vista durante a guerra na Ucrânia. Apesar das proclamações de apoio da China a Moscou, o maior ator geopolítico da Ásia é extremamente cauteloso, não querendo oferecer aos russos tudo o que eles estão pedindo. Apesar dos relatos de que Moscou se aproximou de Pequim no início da guerra em busca de suprimentos militares e de indicações de que a China estava considerando o pedido, nenhuma ajuda foi concedida. Isso pode ocorrer por várias razões – a política histórica de não interferência de Pequim, uma preferência por resolver a guerra diplomaticamente ou a preocupação de que o envio de equipamentos militares a Moscou incitaria os EUA a enviar armas mais sofisticadas para Kiev. O resultado final, porém, é o mesmo: se Putin pensou que poderia contar com seus vizinhos chineses para sustentar sua guerra, ele calculou mal.
A China também tem medo de ficar do lado errado das sanções e restrições de exportação dos EUA. O Partido Comunista Chinês pode não respeitar o que considera medidas econômicas extraterritoriais dos EUA, mas, até o momento, tem cumprido amplamente. A decisão de Washington de proibir as exportações de tecnologia americana, incluindo itens de uso duplo, que poderiam contribuir para a indústria de defesa da Rússia, está afetando as vendas da própria China para o mercado russo. De acordo com dados do governo chinês, as exportações de laptops chineses para a Rússia caíram 40% entre fevereiro e março. As exportações chinesas de smartphones também caíram cerca de dois terços.
Isso não pode ser coincidência. Os chineses, como qualquer país dependente de tecnologia projetada pelos EUA, têm interesse em seguir as regras administradas pelo Departamento de Comércio dos EUA, mesmo que não as apoiem em princípio. A China é especialmente sensível aos controles de exportação dos EUA, dada sua experiência. A Huawei, uma das maiores empresas de telecomunicações do mundo, viu sua receita anual despencar em 2021 em quase 30% por causa das restrições de exportação de Washington direcionadas à entidade. Incapaz de usar os microchips fabricados nos EUA, necessários para construir sua rede e sustentar seus negócios de smartphones, a Huawei perdeu parte de sua participação de mercado para os concorrentes. Xi Jinping não quer reviver essa experiência.
A China continua a ver sua economia como um pilar central de seu poder global. Os EUA são, de longe, o maior parceiro comercial de Pequim, com as duas potências trocando mais de US$ 655 bilhões em mercadorias somente no ano passado. Assim, quando altos funcionários dos EUA alertam Pequim sobre desrespeitar as sanções dos EUA ou restrições comerciais à Rússia, Xi não pode simplesmente desconsiderá-los. Ele tem uma lucrativa relação comercial para proteger. Francamente, dar assistência material a todo vapor aos russos não vale o risco de comprometer o acesso ao mercado americano.
Quando perguntado sobre a posição da China em relação à guerra na Ucrânia, um indivíduo com conhecimento das discussões de política interna em Pequim fez uma observação reveladora, afirmando: “Entendemos a situação [de Moscou]. Mas não podemos ignorar nossa própria situação neste diálogo. A China sempre agirá no melhor interesse do povo chinês”.
Os EUA devem manter essa anedota em mente quando avaliarem os laços Rússia-China de forma mais ampla. Uma animosidade compartilhada em relação à grande estratégia dos EUA é a cola que impede que o relacionamento bilateral seja rompido. Mas, em última análise, os negócios de Moscou e Pequim não são mais imunes às tentações do interesse próprio do que qualquer outra parceria.
Daniel R. DePetris é membro da Defense Priorities e colunista da revista Newsweek.
©2022 National Review. Publicado com permissão. Original em inglês.