Pastora nômade Changpa na vila de Korzok, distrito de Ladakh, em foto de agosto de 2019. Autoridades da Índia disseram que centenas de tropas chinesas foram mobilizadas para a zona em disputa na fronteira entre os países| Foto: Noemi CASSANELLI / AFP
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Enquanto a China reabre sua economia após meses de bloqueios, a liderança chinesa iniciou uma ampla ofensiva para expandir sua influência no país e no exterior. Uma nova lei de segurança de Hong Kong que tenta acabar com a dissidência na região autônoma desencadeou mais uma rodada de protestos anti-Continente. Enquanto isso, a China intensificou os exercícios militares no Mar Amarelo, que se estenderão até o Mar da China Meridional neste verão. Agora, um impasse entre as forças na fronteira sino-indiana abriu uma nova frente na ofensiva de Pequim. Esse último acontecimento em uma disputa de décadas entre os dois países mais populosos do mundo destaca os inúmeros obstáculos que o presidente chinês Xi Jinping enfrenta em seu objetivo de "rejuvenescimento nacional".

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No mês passado, o Exército Popular de Libertação da China (EPL) teria movido pelo menos 5.000 soldados para a "Linha de Controle Real" (LCR), que demarca a fronteira entre a China e a Índia. A mobilização de tropas para o vale do rio Galwan, na fronteira mais ocidental entre os dois países, provocou um confronto em 5 de maio, quando forças chinesas e indianas se envolveram em brigas e arremessos de pedras. De acordo com os protocolos de fronteira sino-indianos, os dois lados estavam desarmados, mas o conflito – e outro na região de Naku La, perto do Tibete, em 12 de maio – deixou vários soldados feridos.

Embora os fatos ocorridos na remota região da fronteira com o Himalaia estejam pouco claros, imagens de satélite da área confirmam um rápido crescimento militar pelas forças chinesas desde abril. A Índia respondeu a altura, mobilizando tropas e artilharia para a área nos últimos dias, de acordo com a Bloomberg News. Um analista de política indiano que pediu anonimato acrescenta que também há evidências de que os dois lados moveram aeronaves para mais perto da região.

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O aparente gatilho para o crescimento militar da China é a conclusão de uma estrada indiana no vale do rio Galwan até a Linha de Controle Real, de acordo com o analista de segurança nacional indiano Nitin Gokhale. A República Popular da China (RPC) há tempos mantém uma posição superior nesta região de fronteira, com estradas e linhas de eletricidade que superam em muito as do lado indiano. No entanto, "nos últimos anos, a Índia vem se recuperando e finalmente construiu estradas para a LCR", de acordo com Dhruva Jaishankar, diretor da Iniciativa dos EUA da Observer Research Foundation. A Organização de Estradas Fronteiriças da Índia, que atualmente está construindo 61 estradas, agora desenvolveu a infraestrutura para competir com o EPL no território disputado. Por sua vez, a China tentou preservar sua vantagem com o adiamento do desenvolvimento indiano, levando a confrontos intermitentes. Mais recentemente, em 2017, a construção de uma estrada pela China através de Doklam, perto do Butão, um aliado da Índia, desencadeou dois meses de provocações, terminando com uma retirada da China, mas com o aumento da cautela de ambos os lados.

A disputa de fronteira está ligada principalmente a dois territórios contestados: o platô de Aksai Chin, a oeste, e o estado indiano de Arunachal Pradesh, a leste. Ofensivas chinesas nas duas áreas deram início à Guerra Sino-Indiana de 1962, terminando com um cessar-fogo informal, quando os dois lados concordaram com a Linha de Controle Real demarcada livremente. A LCR concedeu a Pequim o território reivindicado por Délhi no lado oeste da fronteira, que contém uma estrada estrategicamente crucial entre o Tibete e Xinjiang. Na porção leste da LCR, no entanto, a República Popular da China cedeu efetivamente o que chama de “Tibete do Sul”, recuando para a linha McMahon, a fronteira tibetano-indiana desenhada por oficiais coloniais britânicos no início do século 20. Mas as autoridades da RPC ainda consideram a Linha McMahon um vestígio do imperialismo e continuam reivindicando Arunachal Pradesh, um estado indiano de 2 milhões de pessoas com fortes laços culturais com o Tibete.

Desde o cessar-fogo de 1962, os dois lados se envolveram em conflitos intermitentes, em especial em 1967. Após confrontos no final dos anos 1980, o primeiro ministro Rajiv Gandhi se tornou o primeiro líder indiano a visitar a China desde a Guerra Sino-Indiana, e negociações foram feitas no anos seguintes. Em 1996, Pequim e Délhi concordaram com protocolos que impedem a militarização das zonas de fronteira e, na década seguinte, os dois lados se fizeram concessões em certas disputas territoriais.

Ultimamente, porém, a fronteira sino-indiana voltou a ser um ponto de instabilidade. Antes do impasse de Doklam em 2017, as forças chinesas invadiram duas vezes o território indiano em Ladakh, em 2013 e 2014. Esses confrontos, que coincidiram com visitas dos líderes chineses à Índia, representaram tentativas da RPC de estabelecer sua superioridade à Índia. Um fortalecimento do relacionamento EUA-Índia tornou Pequim cautelosa com seu rival regional, aumentando a importância estratégica da fronteira sino-indiana. De fato, desde a década de 1950, a República Popular da China resolveu todas as suas disputas fronteiriças, exceto as da Índia e do Butão. A China também fortaleceu os laços com o Paquistão, numa tentativa de pressionar a Índia.

Embora a tendência recente indique que o confronto terminará sem baixas, cada rodada de provocação aumenta a probabilidade de guerra. "A capacidade dos dois lados de patrulhar essas áreas remotas aumentou significativamente, levando a mais confrontos e desentendimentos", diz Jaishankar. Por enquanto, autoridades indianas e chinesas estão tentando resolver a disputa diplomaticamente. Ambos os governos têm sido relativamente moderados quanto ao impasse, sugerindo que nenhum dos lados planeja aumentar o impasse no futuro próximo, mas as negociações no fim de semana terminaram sem um acordo.

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Qualquer que seja o resultado, o impasse destaca os desafios à tentativa da China de hegemonia regional. As disputas em andamento com Taiwan e Hong Kong aumentaram no momento que as consequências diplomáticas da pandemia de coronavírus se materializam. O Japão está agora pagando para seus negócios deixarem a China, uma medida que também está sendo analisada pelos EUA. A Reuters informou que um memorando interno apresentado às autoridades de segurança nacional da China recomendava a preparação para guerra com os EUA, citando a elevação do sentimento anti-China ao seu nível mais alto desde o incidente na Praça da Paz Celestial em 1989. Cercado de todos os lados por inimigos, Xi enfrenta crescentes obstáculos ao seu objetivo de "rejuvenescimento nacional".

©2020 National Review. Publicado com permissão. Original em inglês