"Não podemos encobrir isso", teria dito o chefe de polícia de Chongqing ao então dirigente comunista local Bo Xilai quando do surgimento de um escândalo de assassinato que envolve a família de Bo.
A poucos meses do processo sucessório que acontece uma vez por década, a elite do Partido Comunista deve estar pensando a mesma coisa ao se deparar com a primeira disputa escancarada no epicentro do poder em mais de 20 anos.
Revelações sobre Bo, que caiu em desgraça devido ao escândalo, foram divulgadas na terça-feira pelo governo -inclusive a de que a esposa dele, Gu Kailai, é suspeita de envolvimento no assassinado do empresário britânico Neil Heywood. A reviravolta sobre o destino do ex-dirigente comunista, outrora cotado para ascender na hierarquia do regime, transformou a sucessão em um drama, e ainda pode fazer mais vítimas.
"Estamos todos assistindo a um grande drama encenado pelo alto escalão do partido", disse Dai Qing, escritora investigativa em Pequim e filha adotiva de um marechal do Exército Popular de Libertação. "O primeiro ato terminou, e estamos vendo o que acontece em seguida."
O presidente Hu Jintao e outros líderes agora enfrentam um dilema -como evitar divisões entre os líderes na sua disputa pelos cargos ocupados por Bo no Comitê Central e no Politburo do Partido Comunista.
Ex-funcionários e outras fontes próximas à liderança dizem que as divisões na elite governante são geralmente de caráter ideológico, e que se misturam a um conflito escancarado entre alas esquerdistas e liberais.
Os partidários esquerdistas do carismático Bo o defendem como sendo o propulsor de um novo caminho necessário para a China. Já os artífices da queda de Bo estavam alarmados por sua ofensiva contra o crime organizado, que despertou acusações de abusos de poder generalizados, e pela nostalgia que ele demonstra pelas canções e outros traços culturais da era maoísta.
As divergências na elite partidária geram o risco de desestabilizar o governo num momento em que o PC enfrenta crescentes pressões e perde a confiança popular.
Num sinal das preocupações que isso causa, o jornal Diário do Povo publicou editorial alertando para a necessidade de união dos dirigentes antes do congresso partidário deste ano que definirá os sucessores de Hu e da sua equipe.
Bo era um político cuja campanha de combate à criminalidade e promessas populistas faziam parecer que os outros líderes não estariam cumprindo as necessidades básicas da população.
Dai disse que, embora por enquanto os líderes continuem unidos, a maioria ficou aliviada pela queda de Bo.
Mas ela acrescentou que preocupações mais amplas vão surgir sobre a capacidade dos líderes de manterem um controle firme sobre o país em meio a reformas econômicas e políticas necessárias.
"Haverá um 18o Congresso Partidário suave sem Bo Xilai. A liderança central conseguiu unidade por causa disso", afirmou ela. "Mas aí temos de ver o segundo ato. Certamente ainda há divisões, porque cada um (dos líderes) tem seus próprios interesses e seus grupos de interesses para cuidar."
Bo, de 62 anos, e sua esposa não são vistos em público desde que a demissão dele como chefe do PC em Chongqing foi anunciada, em 15 de março. Numa entrevista coletiva dias antes, Bo qualificou de "sujeira" e "absurdo" as acusações -então não especificadas- contra ele, sua mulher e seu filho, Bo Guagua, que estuda na Universidade de Harvard, nos Estados Unidos.
A disputa na cúpula chinesa é a mais dramática desde 1989, na crise que se seguiu à violenta repressão contra protestos pró-democracia em Pequim.