Funcionários de uma biblioteca do noroeste da China queimaram livros e materiais religiosos que eram "incorretos" segundo a ideologia comunista, em uma demonstração de seu fervor ideológico e lealdade ao Partido Comunista. Em seguida, eles enviaram um relatório - e uma foto - para mostrar o que tinham feito.
O incidente, que ganhou grande repercussão no domingo (8), aumentou o alarme em um momento em que os intelectuais chineses veem sua sociedade mergulhando ainda mais no autoritarismo. Várias pessoas compartilharam em suas redes sociais uma notícia do site da Library Society of China que relatava a queima de livros em uma biblioteca do condado de Zhenyuan. A matéria dizia que os funcionários haviam removido 65 "publicações ilegais, publicações religiosas e papéis e livros desviantes, livros ilustrados e fotografias" em um esforço para "exercer plenamente o papel da biblioteca na difusão da ideologia convencional". Funcionários dos departamentos de Educação e Cultura participaram do ato.
A matéria veio acompanhada de uma foto de funcionários queimando uma pilha de livros do lado de fora da entrada da biblioteca, adornada com uma faixa vermelha que dizia que "compreenderia os temas da educação e promoveria o desenvolvimento abrangente e estrito do partido".
Controle sobre salas de aula
O incidente provavelmente foi uma resposta a uma nova diretiva do Ministério da Educação que pedia às bibliotecas escolares que selecionassem materiais didáticos, disseram analistas. As autoridades chinesas nas últimas semanas discutiram a importância de aumentar o controle sobre as salas de aula após os protestos pró-democracia em Hong Kong, que Pequim acredita serem um produto do sistema educacional independente e rebelde da cidade.
O ministério não respondeu imediatamente a um pedido de comentário na segunda-feira.
O memorando nacional de outubro pedia a proibição de materiais que prejudicassem a unidade e a soberania nacional, contradissessem a direção e o caminho do Partido Comunista, ou propagassem a religião, entre outras coisas.
Mas para muitos chineses, e até mesmo alguns dos veículos de notícias rigidamente controlados do país, a imagem de autoridades locais anunciando a queima de livros era excessiva.
Chen Youxi, um proeminente advogado de defesa, alertou as autoridades que a queima de livros "entra na história" e a comparou com a Revolução Cultural em uma postagem nas redes sociais que foi censurada horas depois. A Revolução Cultural, que começou em meados da década de 1960 e durou uma década, foi uma tentativa de expurgar a sociedade comunista chinesa dos restos de elementos tradicionais e capitalistas.
O Beijing News pediu uma investigação sobre a biblioteca em uma coluna de opinião, o que também foi censurado.
Zhang Lifan, historiador de Pequim, disse que a indignação dos internautas refletia ansiedades entre os chineses instruídos sobre o crescente autoritarismo que se instalava em seu país. "As frustrações cresceram nos últimos sete anos devido à crescente repressão aos intelectuais e à liberdade de expressão", disse Zhang, referindo-se indiretamente à administração do líder chinês Xi Jinping. "A raiva popular reflete algo de longa data".
O incidente de Zhenyuan refletiu o clima atual em que as autoridades locais acreditavam que poderiam ganhar pontos políticos com o ato dramático de queimar livros, acrescentou Zhang.
"Eles viram isso como algo positivo, uma coisa orgulhosa de relatar", disse ele.
Comparações
Embora originário de um condado de 513.000 pessoas em uma das regiões mais pobres da China, o episódio de Zhenyuan pareceu impressionar uma sociedade profundamente reverente à palavra escrita - e profundamente ciente de sua história de despotismo.
No Twitter, que é acessível na China usando software especial, muitos comentaram que o primeiro imperador chinês, Qin Shihuang, queimou livros e enterrou intelectuais vivos para consolidar seu domínio depois de unir o país em 221 a.C.
Outros fizeram comparações com a Alemanha dos anos 1930, onde grupos de estudantes nazistas queimaram livros "não alemães" antes que o regime visasse minorias étnicas. Outros ainda apontaram um caso mais próximo: o fundador da China moderna, Mao Zedong, fez uma piada de mal gosto com colegas durante uma conferência do Partido Comunista de 1958 dizendo que havia enterrado 46.000 estudiosos em comparação com os 460 do imperador Qin.