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Partido Comunista

China se prepara para os 70 anos de sua República Popular com parada militar e proibições

Soldados chineses participam de ensaios antes da parada militar em 1 de outubro para comemorar os 70 anos da fundação da República Popular da China, em Pequim, 25 de setembro de 2019 (Foto: WANG ZHAO / POOL / AFP)

Os drones furtivos Sharp Sword, os mísseis balísticos intercontinentais e os monumentos transportados por caminhões em homenagem à luta comunista estão prontos. Flores foram plantadas e lanternas vermelhas penduradas ao longo de todas as principais ruas de Pequim. Quase 100 mil pessoas ensaiam formações na Praça da Paz Celestial.

O Partido Comunista está pronto para comemorar o 70º aniversário da fundação da República Popular da China em 1º de outubro, com o tipo de extravagância militar que apenas os estados stalinistas podem realizar.

Esse deveria ser um aniversário particularmente doce para os líderes da China: o seu estado comunista durou mais tempo que a União Soviética, que durou 69 anos.

Mas não é. O impasse, que já dura meses, entre o partido e os milhões de pessoas que protestam em Hong Kong deve chegar ao auge no dia 1º de outubro, quando os manifestantes planejam realizar um contra-protesto.

"Um confronto de proporções monumentais está a caminho", disse Orville Schell, especialista em China na Asia Society. "Claramente, algo acontecerá em 1º de outubro."

As autoridades chinesas têm se esforçado ao máximo para garantir a "estabilidade" em Pequim no dia do desfile. A soltura de pombos domésticos ou de pipas foi proibida. Aeroportos e estações de trem estão planejando controles extras de segurança. Jornalistas locais foram instruídos a reportar apenas boas notícias, e estrangeiros foram orientados a não ficar nas sacadas de seus escritórios para evitar serem baleados por atiradores de elite. Os céus receberam ordens para ficarem azuis.

Sonhos distintos

Mas os protestos na Hong Kong semiautônoma - e as simpatias que eles estão gerando em Taiwan, que Pequim vê como um estado separatista - mostram que nem todos compartilham o "Sonho Chinês" do presidente Xi Jinping.

Xi, que preside seu primeiro aniversário decenal do Partido Comunista - mas talvez não o último, já que removeu os limites do mandato presidencial - estabeleceu uma visão para reviver a nação chinesa e restaurá-la ao seu devido lugar no centro do mundo.

Parte dessa visão envolve a reunificação da grande China, incorporando Taiwan, que existe como um lado democrático e pluralista em oposição ao Estado de partido único do continente.

Outra parte envolve a superação do "século da humilhação", no qual Hong Kong teve um papel significativo. O Reino Unido invadiu Hong Kong em 1841, no início da Primeira Guerra do Ópio, quando o país corrigiu à força seu desequilíbrio comercial com a China tornando as pessoas viciadas em narcóticos.

Esses fatores tornam a expressão de um tipo diferente de sonho chinês em Hong Kong e Taiwan inconveniente, para dizer o mínimo, para o Partido Comunista.

"Há uma espécie de contra-sonho, com uma visão mais cosmopolita e mais abrangente da China, separada do Partido Comunista chinês, mas ligada a coisas que realmente se encaixam na tradição chinesa", afirmou Jeffrey Wasserstrom, historiador da China moderna na Universidade da Califórnia.

De fato, o "sonho chinês" tem apelo quase nulo em Hong Kong, disse Jean-Pierre Cabestan, cientista político da Universidade Batista de Hong Kong.

"No passado, as identidades de Hong Kong e da China sempre foram distintas, mas elas têm divergido desde 2012", disse Cabestan. Esse foi o ano em que a educação patriótica chinesa continental, incluindo um livro intitulado "O Modelo da China", que exalta o Partido Comunista, foi introduzido nas escolas de Hong Kong.

"Mais e mais jovens chineses pensam que não podem ser ambos", disse Cabestan. "Eles podem se sentir chineses, mas não se sentem da RPC. É por isso que o Partido Comunista Chinês se sente ameaçado."

Guarda-chuvas e girassóis

Uma pesquisa conduzida pela Universidade de Hong Kong em junho constatou que a porcentagem de pessoas que se identificavam como chinesas caiu para o nível mais baixo já registrado.

Apenas 11% dos 1.015 participantes disseram que eram chineses. Mais da metade - 53% - se descreveu como hong-konguês. Entre os entrevistados, 23% disseram que eram "hong-konguêses na China". Quando perguntados se sentiam orgulho de ser um cidadão chinês, 71% disseram que não. O número chegou a 90% para os entrevistados com idades entre 18 e 29 anos.

Ao mesmo tempo que os habitantes de Hong Kong dizem que têm se sentido mais distantes do continente, eles também começaram a se sentir mais próximos de Taiwan.

Em 2014, Hong Kong e Taiwan testemunharam manifestações em larga escala contra a influência do continente.

Os hong-kongueses foram às ruas no chamado Movimento dos Guarda-Chuvas para protestar contra a crescente intervenção de Pequim em sua governança. Os jovens de Taiwan lançaram o Movimento dos Girassóis para se opor a uma maior integração com a China continental.

"Desde 2014, desde os movimentos Guarda-Chuvas e Girassóis, eles sentem que compartilham os mesmos valores", disse Cabestan.

Isso representa um desafio existencial para Xi, cuja principal prioridade é a perpetuação do governo do Partido Comunista sobre uma China rejuvenescida.

Nos anos desde o retorno de Hong Kong do controle britânico em 1997, Pequim usou o território como um exemplo do que o futuro poderia esperar para Taiwan: um vibrante território chinês com um certo grau de autonomia. Hong Kong mantinha a promessa de como a modelo "Um país, dois sistemas" poderia funcionar para Taiwan.

Mas desde 2014, essa promessa começou a parecer mais uma ameaça.

"Com o movimento dos guarda-chuvas, os manifestantes em Hong Kong começaram a dizer: 'Veja, Taiwan, a Hong Kong de hoje pode ser a Taiwan amanhã', mas com um sentido de alerta", disse Wasserstrom.

Agora, cinco anos depois desses protestos - e cinco anos de liderança cada vez mais autoritária sob o comando de Xi - jovens em Hong Kong e Taiwan estão encontrando mais preocupações em comum.

Depois que os protestos de Hong Kong começaram em junho, manifestantes em Taiwan saíram às ruas gritando o slogan "Taiwan cheng Hong Kong", usando a palavra mandarim para "apoio".

Depois, músicos de Taiwan e Hong Kong se uniram para lançar uma música chamada "Cheng". "A noite escura está caindo, mas eu vou lhe fazer companhia. A chuva cai forte, mas não pode afogar o nosso sonho", diz a letra. "Vamos segurar o guarda-chuva, nunca desistir, nunca recuar."

A situação é claramente desconfortável para Pequim.

Para mostrar que o modelo "Um país, dois sistemas" pode funcionar, o partido publicou fotos de Xi e do próximo chefe do executivo de Macau, uma região administrativa chinesa especial como Hong Kong, na primeira página de seu porta-voz, o Diário do Povo.

Quando Ho Iat Seng visitou Pequim neste mês, Xi disse que Macau, devolvida à China por Portugal dois anos depois de Hong Kong, mostrou que o princípio de "um país, dois sistemas" era "completamente viável e pode ser alcançado e bem recebido pelas pessoas".

Por sua parte, Ho enfatizou a parte do "um país" da formulação e disse que trabalharia para garantir que o estado se tornasse mais integrado "ao desenvolvimento da nação". Ele incentivou os jovens macaenses a trabalhar na China continental.

Os líderes do Partido Comunista condenaram a violência de alguns dos protestos e acusaram os países ocidentais de fomentar a agitação. Mas eles não chegaram a uma ação direta.

Eles propagandearam o treinamento militar nas fronteiras de Hong Kong e na guarnição de Hong Kong do Exército de Libertação Popular, que se reporta ao partido. Mas com aparente consciência das críticas internacionais que seguiriam uma ação militar e o efeito em Hong Kong como centro financeiro, o governo mostrou moderação.

A grande questão agora é se, após o espetáculo de 1º de outubro, Pequim ficará menos preocupada sobre como uma ação seria percebida.

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