Pequim discretamente indicou que em breve revogará seu acordo "revolucionário" firmado em 2018 com o Vaticano, que pretendia resolver uma disputa de décadas sobre a nomeação de bispos na China.
Em novembro, pouco depois de trocar notas diplomáticas verbais com Roma para renovar o acordo por mais dois anos, a China o negou completamente em uma seca postagem pública pela burocracia estatal. A ordem nº 15, sobre novas regras administrativas para assuntos religiosos, inclui um artigo sobre o estabelecimento de um processo para a seleção de bispos católicos na China após 1º de maio. O documento não prevê qualquer papel do papa no processo, nem mesmo um direito papal de aprovar ou vetar nomeações episcopais na China, que deveria ter sido a única concessão substantiva ao Vaticano no pacto. É como se o acordo nunca tivesse acontecido.
Renegar um acordo com o Papa Francisco pode não ter tantas consequências quanto derrubar o acordo de "um país, dois sistemas" que deveria garantir a autonomia de Hong Kong após a devolução da cidade pelo Reino Unido à China, mas isso revela o perigo de parcerias internacionais com Pequim.
Em outubro, quando foi anunciada a renovação do acordo por mais dois anos, o Vaticano informou que os "resultados alcançados" até então sob o acordo foram as nomeações de dois novos bispos que tiveram a aprovação papal. O comunicado à imprensa do Vaticano elogiou as nomeações como "um bom começo". "Graças à implementação do Acordo, não haverá ordenações ilegítimas", disse o comunicado, que expressou a alegria de que a Igreja chinesa experimentaria a "unidade" mais uma vez. A ordem nº 15 agora lança sérias dúvidas sobre essas alegações.
Até agora, o Vaticano não comentou sobre a impressionante traição da China. Em 11 de fevereiro, a revista Bitter Winter traduziu o documento para o inglês, permitindo que a Agência Católica de Notícias fizesse um resumo do processo que estabelecido pela China: "A Igreja Católica e a conferência episcopal da China, comandadas pelo Estado, selecionarão, aprovarão e ordenarão os candidatos episcopais - sem menção do envolvimento do Vaticano no processo".
Significativamente, as novas regras exigem que o clero "cumpra o princípio de religião independente e autoadministrada na China". Essa linguagem acompanha uma cláusula de longa data no compromisso de adesão da chamada Igreja Católica Patriótica Chinesa (CPCC), que bispos e padres devem assinar para serem licenciados para o ministério. Isso significa, em termos práticos, que o clero chinês deve ser na verdade independente do Vaticano e, portanto, deve ser apóstata. Em 2019, o Vaticano sugeriu diretrizes, fora do âmbito do acordo, para rejeitar a cláusula. O padre Huang Jintong, de Fujian, foi detido pela polícia e torturado durante quatro dias por seguir as orientações do Vaticano.
As novas regras estipulam que o clero alinhado à CPCC deve apoiar ativamente o Partido Comunista no poder. O artigo 3 exige que eles "apoiem a liderança do Partido Comunista Chinês" e "o sistema socialista", bem como "pratiquem os valores fundamentais do socialismo". As regras também exigem que o clero promova a "harmonia social"; com isso, Pequim quer dizer que eles devem manter a conformidade do pensamento. Em outras palavras, as regras visam transformar as igrejas em mais um braço do regime autoritário chinês.
O cumprimento das normas é garantido por uma regra que determina que aqueles que entram nas igrejas "sejam regulamentados por meio de seleção estrita, verificação de identidade e registro". O registro deve ser rastreado em um novo banco de dados do governo que lista os nomes do clero legal e regula seu comportamento por meio de um sistema de "recompensas" e "punições".
O catolicismo tem profundas raízes históricas na China. Introduzido no país pelo padre jesuíta do século 16 Matteo Ricci, é uma das cinco religiões reconhecidas pelo Estado, e os estimados 12 milhões de católicos da China não estão sujeitos a acusações de separatismo ou terrorismo, como acontece com várias outras minorias religiosas chinesas. Em vez disso, o Partido Comunista da China vê o catolicismo com cautela, como um sistema de crença importada do Ocidente, e visa cooptar a religião por meio da Igreja Patriótica controlada pelo partido ou erradicá-la completamente.
A nomeação de bispos, explicou o Vaticano em sua declaração sobre a renovação do acordo de 2018, é "essencial para garantir a vida comum da Igreja na China". Embora ambas as partes tenham concordado em manter o texto confidencial, o Vaticano foi claro sobre a importância de um papel papal neste processo.
Como o Catholic News Service relatou: "O Papa Francisco disse a repórteres em setembro de 2018 que o acordo prevê 'um diálogo sobre os candidatos potenciais. A questão é conduzida por meio do diálogo. Mas a nomeação é feita por Roma; a nomeação é pelo papa. Isso está claro.'" O Vaticano revelou que o ensinamento fundamental da Igreja sobre "o papel particular do Sumo Pontífice no Colégio Episcopal e na própria nomeação dos bispos inspirou as negociações" e "foi um ponto de referência na redação do texto do acordo". Isso ajuda a garantir que todas as congregações católicas na China estejam unificadas em apoio ao papa.
Com a aprovação do Papa Francisco, os diplomatas do Vaticano buscaram um acordo bilateral, aproveitando o status da Santa Sé como um Estado soberano. O Vaticano aceitou que o acordo seria "exclusivamente relacionado a" nomeações episcopais. Ele se absteria de pressionar Pequim sobre o status da Igreja Católica "clandestina", fora da CPCC, a proibição da religião para os jovens, a destruição pelo Estado de inúmeras igrejas e santuários marianos, seus esforços para reinterpretar a Bíblia e uma série de outras crises de direitos humanos. Ele poderia conviver com o controle administrativo comunista de suas igrejas, como aconteceu nos países do Bloco Oriental durante a Guerra Fria. E, como uma pré-condição do acordo, o Papa Francisco estava disposto a suspender as excomunhões anteriores de sete bispos nomeados pelo governo. O acordo foi firmado em setembro de 2018, em caráter provisório por dois anos. Recentemente, em outubro de 2020, o Vaticano expressou satisfação com seu progresso e o caracterizou com otimismo como "acima de tudo, o ponto de partida para acordos mais amplos e claros".
A China estava disposta a entrar no acordo por um motivo simples: queria a ajuda do Vaticano para eliminar a Igreja Católica clandestina e tinha o poder de garantir essa concessão. A Igreja Patriótica controlada pelo PCCh seria a instituição onde a unificação católica chinesa ocorreria, com a bênção do papa. Após o acordo, as autoridades chinesas cercaram o clero católico clandestino, avisando que eles estariam desafiando o papa se continuassem batizando, ordenando novos clérigos e orando em igrejas não registradas. O movimento clandestino católico chinês poderia resistir a ser oficialmente rotulado de ilegal ou contra-revolucionário; ele sobreviveu a ferozes perseguições como inimigo do Estado durante a Revolução Cultural de Mao. Mas ele não poderia resistir se entrasse em conflito com o papa. Aqueles com objeção de consciência entre o clero clandestino se sentiram compelidos a encerrar seus ministérios ativos e retornar para suas famílias, como fez o bispo Vincent Guo, de Mindong, no ano passado.
O cardeal Joseph Zen, de Hong Kong, alertou que o acordo de 2018 "mataria" o movimento católico clandestino na China continental, e sua advertência agora parece ter se confirmado. Esse movimento foi enfraquecido o suficiente para que Pequim, calculando que o acordo serviu o seu propósito, está agindo para repudiar seu único ponto substancial. Enquanto isso, a Igreja Católica, destituída de um papel papal nas nomeações episcopais na China e com a igreja oculta diminuída e desmoralizada, acaba muito mais mal posicionada para sobreviver intacta à era Xi.
Fazer parcerias com a China de Xi é entrar em um jogo fraudulento, porque o PCCh não joga com regras justas. Ele honra os acordos bilaterais na medida em que eles atendem aos seus fins; ele não tem escrúpulos em romper com sua parte de um acordo depois que a outra parte cumpriu a dela. Infelizmente, há pouca vontade entre outras nações para responsabilizar o regime de Xi por tal ilegalidade. Mas, como católico e líder mundial, o presidente americano Joe Biden deveria se interessar e acompanhar de perto o que está acontecendo com a Igreja na China, e deveria usar seu poder para penalizar o PCCh por sua perfídia e mantê-lo em foco antes de comprometer os EUA em quaisquer futuras parcerias com Pequim.
Nina Shea é diretora do Centro para Liberdade Religiosa do Hudson Institute.
©2021 National Review. Publicado com permissão. Original em inglês
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