Uma técnica medicinal tradicional na China, caracterizada pelo uso de choques elétricos de baixa voltagem, tem sido utilizada em clínicas militares para combater o "vício em internet", problema que atinge 14% dos adolescentes chineses.
O alarme soou na última quinta-feira (22), quando o jornal "The Washington Post" publicou uma reportagem sobre os métodos da Base de Crescimento Psicológico para Adolescentes Chineses, um hospital militar no distrito de Daxing, em Pequim. Desde então, o diretor da instituição não pára de receber telefonemas.
"Quase todas as agências estrangeiras me ligaram. Expliquei-lhes que são exames das ondas cerebrais e que se trata de uma técnica médica tradicional de baixa voltagem para relaxar", disse nesta sexta-feira (23) Tao Ran, médico militar que dirige o centro.
O centro de Daxing, o mais antigo e o maior dos oito que há na China, foi inaugurado em 2005. No local, estão internados cerca de 30 internos com entre 12 e 24 anos. No verão chinês, este número chega a 70. O hospital oferece serviços gratuitos para famílias pobres que não podem pagar os US$ 1.192 mensais de um tratamento de três meses (a renda per capita anual na China é de US$ 1.700).
Controvérsia
"Li a reportagem, mas não utilizamos choques elétricos. Viram que as crianças tinham eletrodos na cabeça e nos pés e acharam que era isso. Mas os da cabeça são para controlar as ondas cerebrais", explicou Tao, que tem 45 anos e psicólogo com especialização em toxicomanias.
"Fazemos esses exames quando as crianças dão entrada e quando recebem alta, porque alguns pais se queixam da agressividade do filho e com os gráficos comprovamos que houve alguma mudança". Quanto aos pés, o médico diz: "É uma máquina para reajustar o relógio biológico".
"Estas crianças vivem conforme o horário americano, ficam na internet toda a madrugada. Por isso, durante o dia, obrigamos elas a praticarem exercícios militares. E antes de dormir usamos esta máquina durante meia hora para reajustar seus horários", acrescentou.
"Segundo a medicina tradicional chinesa, no corpo há muitos pontos que, estimulados com eletricidade de baixa voltagem, ou cerca de quatro volts, ajudam a dormir. Os meninos ficam calmos. É como a acupuntura, mas sem dor", diz o médico.
No entanto, não há uma máquina dessas em qualquer outro centro médico tradicional da capital chinesa, exceto no hospital número seis da Universidade de Pequim, onde é usada em "pacientes mais agressivos ou com insônia", admite Tao.
Embora os especialistas não cheguem a um acordo sobre se o vício em internet é uma doença mental, na China o assunto se complica devido à situação política, já que, embora o regime comunista tenha se aberto à economia, mantém uma ferrenha censura sobre a mídia.
Com 140 milhões de internautas, o segundo maior número do planeta, a China é considerado o país mais repressivo na rede, com 52 "ciberdissidentes" atrás das grades por terem se rebelado contra o regime. No mês passado, o presidente Hu Jintao lançou o grito de luta para a "purificação da internet" e iniciou uma campanha contra este "grave problema social", segundo a Liga de Juventudes Comunistas.
Os métodos aplicados na China contra o suposto vício em internet são similares aos utilizados com alcoólatras e viciados em heroína, os quais são freqüentemente internados em campos de trabalho. Segundo organizações como a Human Rights, tais procedimentos são "bastante violentos" e registram altos índices de reincidência.
No entanto, Tao diz que depois de ter tratado dois mil jovens com seu sistema, que inclui antidepressivos e hipnose, só 10% sofreram recaídas.
Rotina
Os adolescentes do centro de Daxing acordam às 6h15 e praticam exercícios militares durante uma hora. Depois do café da manhã, têm aulas de artes marciais. Após o almoço e um descanso de duas horas, os internos recebem tratamento psicológico acompanhados da inserção de "valores morais". À noite, todos assistem a filmes educativos.
Tao reconhece que estes jovens (90% são homens) chegam ao centro com quadros de ansiedade, depressão e problemas de comunicação, com os quais os pais têm muito a ver. "Na vício em internet, a principal causa são os pais. Há uma grande falta de amor, sobretudo do pai, pressões nos estudos e pouca comunicação na família. Por isso, também interno os pais por entre 3 e 5 dias, para formá-los".
Tao calcula que na China há cerca de 2,5 milhões de adolescentes viciados em internet, cujo tratamento é similar ao aplicado em viciados em jogos e em compras, duas dependências, diz o especialista, muito freqüentes na China.
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