O investimento em infraestrutura foi uma das grandes armas da China para o crescimento econômico do país nas últimas décadas. Entretanto, um setor em especial demonstra o descompasso entre propaganda e necessidades reais: as ferrovias de longa distância para trens de alta velocidade.
Uma das prioridades em investimentos de infraestrutura estabelecidas pelo ditador Xi Jinping desde sua chegada ao poder, no final de 2012, essa malha deve ultrapassar em breve a impressionante marca de 48 mil quilômetros.
Segundo uma reportagem publicada recentemente pelo jornal americano The Wall Street Journal (WSJ), a China gastou mais de US$ 500 bilhões em novas ferrovias, trens e estações apenas nos últimos cinco anos.
Porém, essa malha parece superdimensionada para um país que vive uma crise demográfica. Em 2022, a China perdeu população pela primeira vez desde 1961, quando houve queda no número de habitantes devido à Grande Fome durante a ditadura de Mao Tsé-Tung. No ano passado, houve nova perda, de 2,75 milhões de habitantes, mais que o dobro do ano anterior, quando o saldo negativo havia sido de 850 mil.
Yi Fuxian, demógrafo e pesquisador da Universidade de Wisconsin-Madison, estimou este ano ao jornal canadense The Globe and Mail que a população da China deverá ser reduzida do 1,4 bilhão de pessoas atual para cerca de 1 bilhão em 2050.
Nesse sentido, a China constrói uma rede de trens de alta velocidade que deve ficar ociosa em grande parte. Isso já vem acontecendo em alguns trajetos, apontou a reportagem do WSJ.
O condado de Fushun, na província central de Sichuan, tem uma população de cerca de 700 mil habitantes, que está caindo ano a ano, mas possui 12 estações de trens de alta velocidade em um raio de 64 quilômetros a partir da sua sede.
Enquanto a linha que conecta Xangai, a maior cidade da China, ao centro de tecnologia de Hangzhou teve uma média de cerca de 100 mil passageiros transportados diariamente entre 2010 e 2020, uma linha de tamanho semelhante que atravessa o condado de Fushun teve uma média de apenas 9 mil passageiros transportados por dia desde sua inauguração, em 2021.
Ainda que essa média tenha sido puxada para baixo por períodos de interrupção devido às medidas de controle da Covid-19 impostas pelo regime chinês, o número ilustra a ociosidade dessa infraestrutura.
Para piorar, os vultosos investimentos estão comprometendo a saúde financeira da operadora ferroviária estatal China State Railway. Em agosto, uma reportagem do jornal Nikkei Asia mostrou que a companhia teve que aumentar tarifas e criar assentos premium nos seus trens para tentar compensar o buraco nas suas contas.
A dívida da China State Railway está perto de US$ 1 trilhão e a empresa tem que pagar US$ 25 bilhões anualmente em amortizações.
Em artigo para o think tank indiano Observer Research Foundation, o pesquisador Dhaval Desai descreveu o modelo de financiamento das ferrovias para trens de alta velocidade da China como uma “armadilha de dívidas”.
“A história dos trens de alta velocidade de longa distância da China deslumbrou o mundo de uma década para cá. Mas seus crescentes problemas financeiros internos expuseram seu lado arriscado. Os países mais pobres que tentam imitar esse modelo precisam estar cientes das armadilhas”, alertou.