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"Desfinanciar a polícia"

A cidade americana que “aboliu” a polícia não serve de exemplo para o movimento atual

Mensagem projetada perto do Departamento de Polícia de Seattle, EUA, pede o desfinanciamento da polícia, 9 de junho de 2020 (Foto: David Ryder/ Getty Images/ AFP)

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Nos próximos dias, você verá a cidade de Camden, no estado americano de Nova Jersey, apresentada como um exemplo brilhante dos efeitos milagrosos da "reimaginação do policiamento". Isso apoia a narrativa de que alcançar a justiça racial exige que a polícia seja desfinanciada, com a realocação dos dólares das corporações em programas sociais mais úteis e compassivos.

A ideia de que Camden pudesse um dia se tornar um exemplo de boa política urbana parecia ridícula em 2012, quando sua taxa de homicídios era de 87 por 100 mil habitantes. Isso é 50% acima da taxa verificada em Baltimore, a cidade grande onde mais se mata nos Estados Unidos. Desde então, no entanto, Camden fez grandes progressos, reduzindo sua taxa de homicídios em quase dois terços no ano passado.

Como eles fizeram isso? O primeiro passo foi acabar com o sindicato policial, dissolvendo a força em 2013.

Na época, o cartel de policiais havia aumentado os custos médios anuais por policial (incluindo benefícios extraordinariamente generosos) para US$ 182.168 (mais de R$ 906 mil, na conversão de hoje). A esse preço de monopólio, a pobre Camden podia empregar apenas 175 policiais e, durante o horário de pico do crime noturno, apenas uma dúzia deles poderia estar em patrulha.

Mas demitir os policiais sindicalizados e depois recontratar muitos como funcionários do município reduziu os custos para US$ 99.605 (cerca de R$ 485 mil) por policial, o que permitiu muitas novas contratações e manteve as despesas totais aproximadamente as mesmas. Dentro de poucos anos, os agentes em Camden passaram de 400 - pouco mais de 50 policiais por 10 mil habitantes, cerca do triplo da média nacional para cidades de tamanho semelhante.

Portanto, Camden não "aboliu a polícia", como alegam algumas das vozes mais radicais no debate atual, mas na verdade empregou mais policiais - e mais fiscalização da lei. Como explicou o chefe agora aposentado que liderou a transição, a falta de pessoal fez sua cidade forçar uma "unidade de triagem que vai de emergência em emergência". O recrutamento de pessoal possibilitou um policiamento mais proativo (incluindo o uso de algumas ferramentas de vigilância que os libertários civis consideram problemáticas).

Isso tornou o policiamento em Camden não apenas mais econômico, mas melhor de maneira geral, com a incorporação de treinamentos, regras de abordagens e protocolos de responsabilização que de outra forma seriam inacessíveis ou inaceitáveis. Embora sua abordagem tenha sido rotulada como "policiamento comunitário", grande parte da reviravolta da criminalidade em Camden veio como efeito do que parece ser uma aplicação da "teoria das janelas quebradas" (que diz que tratar dos pequenos sinais de desordem pública pode evitar problemas maiores).

De acordo com o co-autor da teoria, o sociólogo George Kelling, o verdadeiro policiamento de janelas quebradas envolve "um senso de ordem negociado em uma comunidade" que resulta da colaboração entre autoridades e aqueles que têm interesse na viabilidade da área. "Se você disser aos policiais: 'Vamos praticar tolerância zero para todos os crimes menores'", disse Kelling, "você está abrindo espaço para uma confusão de problemas". O que, é claro, é exatamente o que muitos departamentos policiais hoje em dia têm.

Mas mudar a cultura de uma força é uma tarefa árdua, especialmente quando os contratos sindicais priorizam a estabilidade no emprego - mesmo com desempenho insatisfatório - e praticamente ignoram a eficácia organizacional. Minneapolis é a primeira evidência: Das 2.600 denúncias civis registradas contra policiais desde 2012, apenas uma dúzia - menos da metade de um por cento - levou a qualquer forma de punição disciplinar. A maioria foi apenas de advertências por escrito; a penalidade mais severa foi uma suspensão de uma semana.

Não é segredo nenhum que os monopólios não apenas superestimam seus produtos, como também abusam de seus clientes. Graças ao jogo de tabuleiro "Monopoly" [Banco Imobiliário], até as crianças sabem que os monopólios são o diabo. Nós os toleramos nos mercados de trabalho sob a crença (geralmente errônea) de que os empregadores com fins lucrativos detêm tanto poder de mercado que é necessário combater fogo com fogo. Mas, mesmo ao incentivar a sindicalização no setor privado, Franklin D. Roosevelt considerou os sindicatos de funcionários públicos "impensáveis ​​e intoleráveis" porque poderiam "obstruir as operações do governo".

O que eles de fato fazem. A principal preocupação de FDR era com a possibilidade de greves incapacitantes de policiais, professores ou outros, mas as greves eram frequentemente impedidas pela legislação que permitia que os funcionários do governo se "organizassem". No fim, o que aconteceu foi que as greves são desnecessárias para conquistar pacotes generosos de salários e benefícios e segurança máxima no emprego no setor público, uma vez que os sindicatos podem entregar dinheiro e pilhas de votos às autoridades eleitas com quem negociarão contratos.

Além do policiamento, os monopólios trabalhistas tornaram muitos sistemas de escolas públicas tanto escandalosamente ineficazes quanto extraordinariamente caros. Estudantes em estados com sindicatos fortes têm taxas de proficiência mais baixas do que aqueles em estados com sindicatos fracos; contratos de trabalho restritivos têm um impacto negativo no desempenho acadêmico, principalmente para estudantes de minorias. Um estudo recente descobriu que, nacionalmente, isso reduz os ganhos futuros dos graduados em mais de US$ 200 bilhões anualmente - com os maiores efeitos entre os não-brancos.

O problema para os que buscam reformas, no entanto, é o impressionante poder político desses monopólios, especialmente nas grandes cidades com maioria democrata. Dados as pilhas de votos e o dinheiro que os sindicatos detêm, os representantes eleitos são relutantes em desafia-los de qualquer maneira significativa. Até lá, e a menos que o façam, as manifestações em andamento por maior justiça racial podem levar a mudanças principalmente simbólicas - como aconteceram com muita frequência no passado.

*Stephen J. K. Walters é economista chefe no Instituto de Políticas Públicas de Maryland e autor de "Boom Towns: Restoring the Urban American Dream"

©2020 National Review. Publicado com permissão. Original em inglês

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