Kaliningrado - Em meio aos arqueados blocos de apartamentos da era soviética e volumosos edifícios governamentais, pode ser difícil imaginar que esta já foi uma cidade alemã adornada com belas fachadas e torres teutônicas. Em 700 anos de história, Kaliningrado já se chamou Koenigsberg, foi bombardeada até o esquecimento na Segunda Guerra Mundial, tomada pela União Soviética e renomeada em 1946 em homenagem a um herói bolchevique morto, Mikhail Kalinin.
Quase tudo o que resta hoje são algumas casas desgastadas e algumas catedrais reconstruídas. Isso não significa que os moradores desta ilha de território russo incrustada entre a Polônia e a Lituânia não tenham certas expectativas europeias. "Gostaria de trazer Koenigsberg de volta à Europa", diz Rustam Vasiliev, blogueiro local e ativista político, usando intencionalmente o antigo nome alemão desta cidade.
Alguns dos maiores protestos antigoverno russo explodiram aqui, em parte devido ao fato de que oficiais não conseguem alinhar a região aos padrões da Europa ocidental. O Kremlin tem tido problemas similares em outras regiões remotas, especialmente na cidade de Vladivostok, no extremo leste, onde a economia caiu na órbita de potências asiáticas locais.
Aqui no extremo oeste da Rússia, as pessoas se orgulham de seus carros europeus, mas reclamam das ruas esburacadas da cidade. Quando moradores locais falam da Rússia, muitas vezes parecem não se referir a seu próprio país, mas a uma terra estrangeira ao leste. "Nós estamos localizados fora das fronteiras da Rússia e dentro da fronteira da União Europeia", diz Vytautas Lopata, dono de um café e político independente local. "Aqui, as pessoas são mais livres. Elas veem como se vive na Europa, têm exigências mais altas".
Em relação à política, Kaliningrado não é, de forma alguma, uma democracia próspera. Entretanto, seus moradores passaram a desfrutar um nível de abertura que não se encontra em nenhum outro lugar da Rússia. Há estações de televisão independentes e políticos de oposição de verdade no parlamento local (embora sua influência seja mínima).
Pequenos protestos de rua não são raros, e geralmente tolerados pelas autoridades. Em comparação, em Moscou até mesmo os menores protestos antigoverno são reprimidos por tropas de choque, às vezes de forma violenta.
Autoridades daqui e de Moscou foram claramente pegas de surpresa em janeiro quando 10 mil pessoas apareceram numa praça central de Kaliningrado para exigir a renúncia do governador regional e outros membros do partido político do primeiro-ministro Vladimir Putin, a Rússia Unida. Desde então, as autoridades têm se esforçado para conter os danos, temendo que a insatisfação se espalhe para o restante do país.
Embora Kaliningrado tenha permanecido sob o controle de Moscou depois do colapso soviético, sua localização fora da Rússia contígua parecia conter a promessa de que a zona militar antes fechada seria aberta para a prosperidade do Ocidente. Mas ser sócio do clube europeu sempre foi algo difícil, para desânimo de muitos. A região continuou relativamente pobre, mesmo enquanto seus vizinhos prosperavam pelo menos até pouco tempo atrás.
Como todos os russos, os moradores de Kaliningrado devem se submeter ao longo processo de solicitação de visto para visitar cidades a apenas algumas horas de carro.
Mas nem sempre as coisas foram tão limitadas, segundo conta Konstantin Doroshok, um dos líderes dos protestos de janeiro. Apenas alguns anos atrás, importar carros europeus para Kaliningrado a fim de revendê-los para russos mais ao leste era uma de muitas profissões similares que prosperavam porque as tarifas de importação de países europeus para Kaliningrado eram mais baratas do que para o resto da Rússia. Porém, há um ano o Kremlin aumentou drasticamente os impostos alfandegários sobre carros importados, o que, segundo Doroshok, literalmente acabou com seu negócio.
Ele também foi golpeado pelo que ele alegou serem acusações falsas de sonegação de impostos, e foi obrigado a pagar uma multa de US$ 600 mil. "Parece que um dos oligarcas calculou quanto tinha deixado de ganhar pelo fato de que cidadãos da Rússia estavam importando carros de forma independente e decidiu nos expulsar do negócio".
Foi quando Doroshok e outras pessoas revoltadas com a interferência do Kremlin decidiram revidar. Uma série de manifestações culminando nos grandes protestos de janeiro forçou o governador de Kaliningrado, Georgy Boos, indicado pelo Kremlin, a estabelecer diálogos sérios com líderes da oposição pela primeira vez, incluindo Doroshok. "Eu e outras pessoas subestimamos a necessidade de dedicar mais tempo para se comunicar com o povo", disse Boos, referindo-se aos protestos, numa coletiva de imprensa.
Para desviar o ódio direcionado a autoridades governamentais, alguns líderes locais da Rússia Unida até consideraram a ideia de abrir mão de uma parte do quase monopólio do poder do partido algo que pode ser considerado uma blasfêmia em outras partes do país. "Isso diminuiria um pouco a tensão política e permitiria uma governança mais democrática", disse Konstantin Poliakov, sub-chefe da facção da Rússia Unida no parlamento regional.
Muitas pessoas, como Lopata, o dono do café, afirmam que, para o povo de Kaliningrado, pouco importa quem são seus líderes se sua região continuar isolada de seus vizinhos verdadeiros e sob o controle de Moscou. "Nós vivemos na União Europeia", diz Lopata. "Só que dentro de uma cerca".
Moraes eleva confusão de papéis ao ápice em investigação sobre suposto golpe
Indiciamento de Bolsonaro é novo teste para a democracia
Países da Europa estão se preparando para lidar com eventual avanço de Putin sobre o continente
Em rota contra Musk, Lula amplia laços com a China e fecha acordo com concorrente da Starlink