Kaliningrado, antes uma cidade alemã com belas fachadas, foi bombardeada na Segunda Guerra Mundial e tomada pela União Soviética| Foto: Wikimedia Commons

Kaliningrado - Em meio aos arqueados blocos de apartamentos da era soviética e volumosos edifícios governamentais, pode ser difícil imaginar que esta já foi uma cidade alemã adornada com belas fachadas e tor­­res teutônicas. Em 700 anos de história, Kaliningrado já se chamou Koenigsberg, foi bombardeada até o esquecimento na Segun­­da Guerra Mundial, tomada pela União Soviética e renomeada em 1946 em homenagem a um herói bolchevique morto, Mikhail Ka­­linin.

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Quase tudo o que resta hoje são algumas casas desgastadas e algumas catedrais reconstruídas. Isso não significa que os moradores desta ilha de território russo in­­crus­­tada entre a Polônia e a Lituâ­­nia não tenham certas expectativas europeias. "Gostaria de trazer Koenigsberg de volta à Europa", diz Rustam Vasiliev, blogueiro local e ativista político, usando intencionalmente o antigo nome alemão desta cidade.

Alguns dos maiores protestos antigoverno russo explodiram aqui, em parte devido ao fato de que oficiais não conseguem alinhar a região aos padrões da Eu­­ropa ocidental. O Kremlin tem ti­­do problemas similares em outras regiões remotas, especialmente na cidade de Vladivostok, no ex­­tremo leste, onde a economia caiu na órbita de potências asiáticas locais.

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Aqui no extremo oeste da Rús­­sia, as pessoas se orgulham de seus carros europeus, mas reclamam das ruas esburacadas da cidade. Quando moradores locais falam da Rússia, muitas vezes parecem não se referir a seu próprio país, mas a uma terra estrangeira ao leste. "Nós estamos localizados fora das fronteiras da Rús­­sia e dentro da fronteira da União Europeia", diz Vytautas Lopata, dono de um café e político independente lo­­cal. "Aqui, as pessoas são mais livres. Elas veem como se vive na Europa, têm exigências mais altas".

Em relação à política, Kali­­nin­­grado não é, de forma alguma, uma democracia próspera. Entre­­tanto, seus moradores passaram a desfrutar um nível de abertura que não se encontra em nenhum outro lugar da Rússia. Há estações de televisão independentes e políticos de oposição de verdade no parlamento local (embora sua in­­fluência seja mínima).

Pequenos protestos de rua não são raros, e geralmente tolerados pelas autoridades. Em comparação, em Moscou até mesmo os me­­nores protestos antigoverno são reprimidos por tropas de choque, às vezes de forma violenta.

Autoridades daqui e de Mos­­cou foram claramente pegas de surpresa em janeiro quando 10 mil pessoas apareceram numa praça central de Kaliningrado pa­­ra exigir a renúncia do governador re­­gional e outros membros do partido político do primeiro-mi­­nistro Vladimir Putin, a Rússia Unida. Desde então, as autoridades têm se esforçado para conter os danos, temendo que a insatisfação se espalhe para o restante do país.

Embora Kaliningrado tenha permanecido sob o controle de Moscou depois do colapso soviético, sua localização fora da Rússia contígua parecia conter a promessa de que a zona militar antes fe­­chada seria aberta para a prosperidade do Ocidente. Mas ser sócio do clube europeu sempre foi algo difícil, para desânimo de muitos. A região continuou relativamente pobre, mesmo enquanto seus vizinhos prosperavam – pelo me­­nos até pouco tempo atrás.

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Como todos os russos, os moradores de Kaliningrado devem se submeter ao longo processo de so­­licitação de visto para visitar cidades a apenas algumas horas de carro.

Mas nem sempre as coisas fo­­ram tão limitadas, segundo conta Konstantin Doroshok, um dos lí­­deres dos protestos de janeiro. Apenas alguns anos atrás, importar carros europeus para Kalinin­­grado a fim de revendê-los para russos mais ao leste era uma de muitas profissões similares que prosperavam porque as tarifas de importação de países europeus para Kaliningrado eram mais ba­­ratas do que para o resto da Rússia. Porém, há um ano o Kremlin au­­mentou drasticamente os impostos alfandegários sobre carros importados, o que, segundo Do­­roshok, literalmente acabou com seu negócio.

Ele também foi golpeado pelo que ele alegou serem acusações falsas de sonegação de impostos, e foi obrigado a pagar uma multa de US$ 600 mil. "Parece que um dos oligarcas calculou quanto tinha deixado de ganhar pelo fato de que cidadãos da Rússia estavam importando carros de forma independente e decidiu nos ex­­pulsar do negócio".

Foi quando Doroshok e outras pessoas revoltadas com a interferência do Kremlin decidiram revidar. Uma série de manifestações culminando nos grandes protestos de janeiro forçou o governador de Kaliningrado, Georgy Boos, indicado pelo Kremlin, a estabelecer diálogos sérios com líderes da oposição pela primeira vez, in­­cluindo Doroshok. "Eu e ou­­­­tras pessoas subestimamos a necessidade de dedicar mais tempo para se comunicar com o povo", disse Boos, referindo-se aos protestos, numa coletiva de imprensa.

Para desviar o ódio direcionado a autoridades governamentais, alguns líderes locais da Rússia Unida até consideraram a ideia de abrir mão de uma parte do quase monopólio do poder do partido – algo que pode ser considerado uma blasfêmia em outras partes do país. "Isso diminuiria um pouco a tensão política e permitiria uma governança mais democrática", disse Konstantin Poliakov, sub-chefe da facção da Rússia Uni­­da no parlamento regional.

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Muitas pessoas, como Lopata, o dono do café, afirmam que, para o povo de Kaliningrado, pouco importa quem são seus líderes se sua região continuar isolada de seus vizinhos verdadeiros e sob o controle de Moscou. "Nós vivemos na União Europeia", diz Lo­­pata. "Só que dentro de uma cerca".