O mosquito que atormenta os brasileiros todo santo ano vai ter de se haver com as armas da biologia molecular. Uma equipe internacional de pesquisadores acaba de obter a seqüência completa do DNA do Aedes aegypti, transmissor da dengue e da febre amarela. Os resultados preliminares trazem, entre outras coisas, pistas para criar possíveis inseticidas que ajam de forma específica sobre o inseto.
O trabalho foi coordenado por Vishvanath Nene, do Instituto para Pesquisa Genômica (Tigr; pronuncia-se "tiger"), nos Estados Unidos, e contou com a participação de cientistas da USP e do Instituto Butantan, ambos em São Paulo. A pesquisa está na edição desta semana da revista americana "Science".
O trabalho revelou que o A. aegypti possui um genoma (o conjunto do DNA) cerca de cinco vezes maior que seu parente igualmente perigoso, o mosquito Anopheles gambiae, vetor (transmissor) da malária. Cerca de 1,4 bilhão de pares de "letras" químicas de DNA compõem o genoma do A. aegypti, tamanho um pouco inferior à metade do genoma humano.
Não foi nem um pouco fácil colocar essa sopa de letrinhas em relativa ordem, conta Sergio Verjovski-Almeida, pesquisador do Instituto de Química da USP e um dos co-autores brasileiros da pesquisa. "Trata-se de um genoma complexo, com muitos elementos repetitivos", explica ele. Quase metade do DNA do bicho, para se ter uma idéia, corresponde a transposons -- seqüências sem nenhuma função aparente que têm a mania de fazer várias cópias de si mesmas e ficar saltando de um ponto ao outro do genoma. Isso dificulta o trabalho de montar o mapa completo do material genético do bicho.
Verjovski-Almeida e seus colegas ficaram responsáveis por analisar os chamados genes expressos (ou seja, os que realmente ficam ativos no organismo) na fase de larva dos bichos - justamente aquela que costuma povoar a água parada em pneus e garrafas. "Esses dados sobre a fase larval simplesmente não estavam disponíveis antes", conta o brasileiro.
Para esse trabalho, o que se analisa não é exatamente o DNA, mas sua molécula irmã, o mRNA ou RNA mensageiro, que transmite as instruções para a produção de proteínas que estão contidas no DNA. Mas o trabalho é diretamente relevante para estimar quantos genes funcionais a criatura tem - no caso, a melhor estimativa fica em torno de 15 mil.
Vida parasitada
O número absurdo de transposons pode não ser só coincidência, avalia Verjovski-Almeida. Afinal, acredita-se que esses pedaços "parasitas" de DNA tenham surgido a partir de antigos vírus, que se integraram ao genoma de seu hospedeiro e hoje são inofensivos. Assim, não seria por acaso que hoje ele carrega o vírus da dengue. "Esse inseto pode ter se adaptado a carregar uma grande quantidade de vírus", afirma o brasileiro.
Além desse quadro geral, algumas características da biologia molecular do bicho já parecem se mostrar promissoras como alvos de futuros ataques. Um possível calcanhar-de-aquiles são os receptores olfativos do A. aegypti, ao lado dos genes cuja função parece estar ligada ao transporte de substâncias para fora das células e à desintoxicação quando o animal está sob o efeito de alguma substância nociva.
Com esses dados em mãos, é possível pensar em substâncias que, por exemplo, atrapalhem a capacidade do animal de se guiar pelo olfato (impedindo, por exemplo, que ele alcance os humanos que normalmente pica). Ou inseticidas projetados especificamente para matá-lo, sem afetar bichos inofensivos. "Infelizmente, o que você tem hoje são inseticidas muito genéricos", explica Verjovski-Almeida.
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