Ele parece um cruzador espacial, daqueles armados até os dentes que povoam os pesadelos dos fãs de "Guerra nas Estrelas". Estamos falando do Hurdia victoria, um parente dos atuais artrópodes (crustáceos, insetos e aracnídeos) que pode ser considerado o "monstro dos mares" original, um dos primeiros superpredadores da história do planeta. Uma equipe de paleontólogos conseguiu remontar a anatomia da criatura pela primeira vez, revelando como era esquisita a vida marinha em pleno Cambriano, há cerca de 500 milhões de anos.
A verdadeira natureza do Hurdia victoria foi um mistério durante quase um século (a espécie foi originalmente descoberta em 1912). Isso porque os cientistas só conheciam cacos isolados do bicho, explicou ao G1 a estudante de doutorado Allison Daley, que trabalha na Universidade de Uppsala (Suécia). "O que as pessoas encontravam eram pedaços da carapaça do animal que eram perdidos durante a muda, tal como os artrópodes de hoje fazem", contou ela por telefone. Resultado: a classificação do bicho virou o samba do Cambriano doido, com alguns fragmentos sendo batizados como crustáceos, outros como pepinos-do-mar e outros como medusas, num total de oito denominações diferentes.
"Foi só com a descoberta de espécimes completos ao longo dos anos 1990 que conseguimos ter uma visão do animal como um todo", diz Daley. Valeu a pena esperar: a conclusão é que o Hurdia é parente do Anomalocaris e outros artrópodes predadores esquisitíssimos com mais de 500 milhões de anos. Essas criaturas estão na base da árvore genealógica dos invertebrados com carapaça articulada. Por isso, embora vivessem nos mares, não se pode dizer que eles são parentes próximos das lagostas ou caranguejos de hoje.
Tubarão
Para os padrões modestos da fauna marinha do Cambriano, o Hurdia era o equivalente a um tubarão-branco, ou seja, um predador de topo de cadeia, capaz de comer quase qualquer coisa que se mexesse. "A maioria dos exemplares têm 20 cm, mas alguns parecem ter chegado a 40 cm de comprimento", afirma Daley. Segundo ela, o bicho só perdia para seu "primo" Anomalocaris, cujo tamanho máximo provavelmente ficava entre 1 m e 60 cm.
O corpo alongado do bicho era coberto de brânquias, provavelmente para extrair o máximo possível de oxigênio da água e manter seu metabolismo em rápido funcionamento. Seus olhos ficavam na ponta de um pedúnculo (mais ou menos como os de um siri moderno), e os "bracinhos" curtos que podem ser vistos logo atrás da cabeça na verdade são os apêndices da boca do bicho. "Não sabemos exatamente como ele comia ou mesmo se mastigava a presa, mas eles estão cheios de dentes", afirma a paleontóloga.
Outro mistério envolve a estranhíssima carapaça na parte da frente da criatura. "Artrópodes muitas vezes possuem uma espécie de escudo por cima de áreas vitais, mas no lugar onde está essa estrutura não está protegendo nada", explica Daley.
"Pode ser que aquilo servisse para conduzir a comida para a boca do animal, como uma forma de defesa ou até como ferramenta para a reprodução. Simplesmente não sabemos a esta altura", reconhece a paleontóloga. O certo é que, apesar de sua morfologia fascinante, o bicho e seus parentes acabaram não deixando descendentes modernos.
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