O Universo, logo após o seu nascimento, era um lugar bem chatão. Só existia uma nuvem difusa composta por hidrogênio e hélio - os dois elementos mais simples - e nada mais. Nada de planetas. Nada de estrelas. Nada de nada. Mas eis que a gravidade começou a operar sua magia, e, de algum modo, nasceram as primeiras estrelas. Um trio de cientistas do Japão e dos Estados Unidos agora parece ter descoberto como isso aconteceu.
O achado é produto de uma sofisticadíssima simulação. Com um supercomputador de última geração, a equipe encabeçada por Naoki Yoshida, da Universidade de Nagoya, reproduziu em computador o que teria acontecido no cosmos em seus primeiros anos de vida. Ou melhor, num pequeno pedaço do cosmos, para que coubesse na simulação.
O processo exigiu basicamente introduzir as leis da física e as condições conhecidas do universo nessa época e, daí em diante, apenas observar o computador realizando seus cálculos e mostrando como os gases hidrogênio e hélio se comportavam. "É por isso que nos referimos à simulação como "abinitio". Por exemplo, não usamos nenhuma equação a priori para o gás. Para uma dada temperatura e densidade, o estado do gás no momento seguinte é determinado por processos microscópicos como reações químicas", explica Yoshida ao G1.
Qual não foi a satisfação do grupo ao observar que, depois de um tempo, houve aglomeração dos átomos num espaço cada vez mais comprimido - o que os cientistas chamam de protoestrelas. Com um centésimo da massa do Sol, essas protoestrelas devem ter sido as "sementes" ao redor das quais surgiram as primeiras estrelas maduras - astros gigantescos, com massa equivalente a dezenas de sóis como o nosso.
Infelizmente, não foi possível conduzir a simulação além da etapa de protoestrela. Isso porque a temperatura sobe muito a partir daí, e se torna cada vez mais necessário tocar a simulação em doses menores de tempo - o que exigiria tempo demais para vê-la se desenrolar diante dos olhos dos cientistas. Afinal, ninguém está disposto a passar milhares de anos vendo o que vai rolar antes de finalizar o estudo.
"E claro que há outro obstáculo real - em algum ponto, precisamos implementar a queima nuclear", afirma Yoshida, referindo-se ao processo que faz com que a estrela "acenda" e comece a produzir sua energia.
De toda forma, o avanço é gigantesco. Primeiro, porque demonstra como realmente devem ter surgido as primeiras estrelas - astros essenciais para tornar o Universo um lugar verdadeiramente interessante. Afinal, foram elas as fornalhas que produziram em seu interior, durante a queima nuclear, elementos mais pesados, como oxigênio e carbono. São átomos essenciais para a existência de planetas como a Terra e seres vivos como nós.
Mas o que talvez seja mais interessante para os cientistas é que essa é a primeira simulação bem-sucedida feita "ab initio" que dá uma pista de como as estrelas nascem. Embora os astrônomos tenham uma idéia vaga de como isso ocorre, os detalhes ainda não estão claros. E tentar simular o surgimento de uma estrela no Universo de hoje é complicado demais; com uma química cósmica mais complexa como a atual, fica difícil incluir tudo numa simulação.
Por isso, o trabalho de Yoshida e seus colegas é um ótimo início. "A condição singular do Universo primordial, onde as condições iniciais e a física que as governa são simples, pode nos fornecer uma pedra de Rosetta cósmica, permitindo finalmente destravar o velho problema da formação das estrelas", afirma o astrofísico Volker Bromm, da Universidade do Texas em Austin, em comentário publicado junto com o estudo de Yoshida e seus colegas na edição desta semana da revista "Science".
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