| Foto: Daniel Leal Olivas/AFP

Milhares de cientistas em todo o mundo deixaram seus laboratórios para sair às ruas no sábado, junto com estudantes e defensores da pesquisa, protestando contra o que classificam como ataques crescentes à ciência. A Marcha pela Ciência, que coincidiu com o Dia da Terra, estava prevista em mais de 500 cidades pelo mundo, com a participação de dezenas de sociedades científicas não partidárias.

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Em Genebra, na Suíça, manifestantes levaram placas que diziam: “Ciência - Uma Vela no Escuro” e “A Ciência é a Resposta”. Em Berlim, milhares de pessoas participaram de uma marcha desde uma das universidades da cidade até o Portão de Brandemburgo. “Precisamos tomar mais decisões baseadas em fatos novamente e menos em emoções”, disse Meike Weltin, estudante de doutorado em um instituto ambiental perto da capital. Em Londres, físicos, astrônomos, biólogos e celebridades se reuniram para uma marcha pelas mais famosas instituições de pesquisa da cidade. Os apoiadores carregavam cartazes mostrando imagens de uma dupla hélice e símbolos químicos.

O protesto estava colocando os cientistas, que geralmente se afastam de militância, em uma posição mais pública. Os organizadores descreveram a marcha como política, mas não partidária, para promover a compreensão da ciência, bem como defendê-la de vários ataques, incluindo propostas de cortes no orçamento do governo dos EUA sob o presidente Donald Trump, como uma redução de 20% na verba do Instituto Nacional de Saúde.

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Os cientistas que participaram na marcha disseram estar preocupados com a rejeição política e pública de descobertas científicas como as mudanças climáticas e a segurança da imunização por vacinas. “Os cientistas acham assustador que evidências tenham sido ofuscadas por afirmações ideológicas”, disse Rush Holt, ex-físico e congressista democrata que dirige a Associação Norte-americana para o Avanço da Ciência. Para ele, não se trata apenas de uma marcha contra Donald Trump, mas as suas políticas são um dos alvos do protesto. Apesar de dizer que a marcha não é partidária, Holt reconheceu que a manifestação foi concebida na Marcha das Mulheres em Washington, um dia depois da posse de Trump, em 20 de janeiro.

“A verdade é que deveríamos estar marchando pela ciência há 30 anos, 20 anos, 10 anos”, disse a co-organizadora e pesquisadora de saúde pública Caroline Weinberg. “A atual situação (política) nos levou de um estágio de ignorar a ciência para flagrantemente atacá-la. E isso parece está galvanizando as pessoas de uma maneira como nunca antes”, afirmou. “O método científico foi desenvolvido para ser não-partidário e objetivo. Deveria ser aceito pelos dois partidos”, concluiu, se referindo às duas principais siglas nos EUA, os Partidos Republicano e Democrata.

Cientistas brasileiros protestam por corte em investimentos

Cientistas brasileiros também aderiram às manifestações em defesa da ciência. A iniciativa, batizada de Marcha pela Ciência, nasceu nos Estados Unidos, como uma reação ao discurso anticientífico do presidente Donald Trump, e se espalhou pelo mundo. 24 cidades brasileiras entraram no movimento que ocorre em 70 países.

Em São Paulo, o ocorre no tradicional Largo da Batata, em Pinheiros, onde pesquisadores esperam chamar a atenção da população para uma situação que a presidente da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), Helena Nader, descreve como “catastrófica”. “Em mais de 50 anos trabalhando com ciência, eu diria que esses últimos anos têm sido desesperadores”, diz ela, professora da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp).

O orçamento federal destinado à ciência e tecnologia está em queda desde 2014, apesar do número de pesquisadores, mestres e doutores formados no Brasil continuar crescendo ano a ano. No último contingenciamento anunciado pelo governo federal, em março, o orçamento do Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações (MCTIC) foi reduzido em 44%, de R$ 5 bilhões para R$ 2,8 bilhões.

Segundo pesquisadores, o valor não é suficiente nem para pagar os projetos já contratados e outros compromissos assumidos em anos anteriores. “Um corte de 44% não é um corte, é uma amputação”, diz o ecólogo Thomas Lewinsohn, professor da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp).

Pelos cálculos da SBPC, de cada R$ 100 gastos pelo governo federal atualmente, só R$ 0,32 são destinados à ciência e tecnologia. “As universidades já estão à míngua”, diz Helena. “A ciência e tecnologia não é mais míngua, nem pão e água - talvez água, porque pão não vai ter para todo mundo.”

“O reflexo mais drástico é que a gente está fadado a nunca pertencer ao mundo desenvolvido. Não existe chance de a gente voltar ao caminho do crescimento sem investimento em ciência”, diz a pesquisadora Nathalie Cella, do Instituto de Ciências Biomédicas da Universidade de São Paulo (ICB-USP), que, motivada por um grupo de alunos, assumiu o papel de organizar a Marcha pela Ciência em São Paulo.

O evento teve início às 14 horas e, apesar do nome, não será uma marcha propriamente dita, mas uma concentração no Largo da Batata. Até ontem, 1,7 mil pessoas haviam confirmado presença pelo Facebook.

“Eu ainda tenho uma certa esperança e um otimismo de que as coisas vão melhorar, mas não acho que isso vai acontecer se as pessoas ficarem sentadas esperando”, diz Ricardo Maia, de 24 anos, aluno de mestrado do ICB-USP, que também participa da organização do evento.

O MCTIC informou que está avaliando o impacto da redução orçamentária e pediu aos seus institutos que apresentassem prioridades e necessidades para 2017, na expectativa de que parte dos recursos seja descontingenciada ao longo do ano.

No Rio de Janeiro, o protesto incluirá um “tesouraço” na frente do Museu Nacional, contra os cortes nos recursos para ciência e educação. Entre outras cidades com marchas programadas estão Brasília, Porto Alegre, Belo Horizonte, Salvador e Natal. Nos Estados Unidos, há mais de 400 marchas planejadas. A maior será em Washington.

Milhares de cientistas se reuniram para protestar em Washington D.C.
Em Marselha (França), manifestantes celebraram o método científico.
Em Londres, os manifestantes se reuniram nas proximidades do Museu da Ciência.
Na Broadway, em Nova York, manifestante carrega cartaz em alusão a Trum e o descreve como “Tóxico para a Terra”.
Cartaz de manifestante em Londres diz: “Ciência, não silêncio”.
Em Nova York, manifestante carrega o seguinte cartaz: “Eu acredito em Deus e na ciência”.
Na Time Square, em Nova York, um dos cartazes se destaca: “Fatos importam”.