Lá se vão cinco anos, mas o terremoto de 9 graus na escala Richter que provocou uma trágica tsunami de 15 metros de altura (um edifício de cinco andares), arrasando o Nordeste do Japão naquele março de 2011 e ceifando de uma só vez cerca de 16 mil vidas, ainda afeta o cotidiano e os corações dos sobreviventes, meia década depois. Apesar dos incessantes esforços das autoridades e da população em reconstruir e restaurar a normalidade da região, num país que vai ser sede das Olimpíadas de 2020, a catástrofe ainda está muito presente nos japoneses que ali vivem.
“Já se passaram cinco anos, mas a imagem da tsunami ainda permanece em mim”, conta Masahiro Osada ao jornal Washington Post, pouco depois de atender os clientes na hora do almoço em seu restaurante. “A situação está realmente melhorando, mas eu tenho sentimentos distintos sobre se devo ou não continuar aqui”.
Osada tinha acabado de servir enormes tigelas de sopa de macarrão noodles picante, preparadas com a ajuda do filho que, ao contrário de muitos outros jovens que moravam na pequena Rikuzentakata, não saiu para grandes cidades do país e hoje trabalha na cozinha do restaurante de comida chinesa do pai. Segundo Osada, o negócio tem caminhado, num município costeiro com poucas opções para comer fora, e mesmo de diversão, principalmente após a tragédia. O estabelecimento, chamado Shikairou, está localizado no edifício pré-fabricado que também é a morada da família de Osada, para onde se mudaram depois que a tsunami botou abaixo a casa onde moravam há mais de 25 anos.
Órfãos da devastação
Na verdade, a costa Nordeste do Japão tornou-se um lugar sombrio: cerca de 160 mil pessoas perderam as casas e os meios de subsistência. Além das mortes confirmadas, há 2,5 mil desaparecidos. Os prejuízos à época foram estimados em US$ 150 bilhões. Cidades e vilarejos mais próximos à usina nuclear de Fukushima Daiichi, que teve um colapso triplo após a tsunami, estão desertos e inabitáveis. E, embora ex-moradores estejam sendo autorizados a retornar, mais de 60 mil pessoas permanecem em abrigos temporários.
Em Rikuzentakata, quatro em cada cinco prédios foram arrasados, predominantemente na área central da cidade: cerca de 1.750 dos 24 mil moradores morreram. No início de abril, um dos sobreviventes, Takashi Tsuchiya começa a se preparar para, se tudo der certo, uma carreira acadêmica de sucesso. Mas os pais dele não estarão presentes para ver o filho iniciar o curso de Engenharia numa das melhores universidades do Nordeste do Japão. Cinco anos atrás, Takashi, então com 13 anos, e a irmã mais velha, de 15, foram à escola. Ao saírem de casa, despediram-se pela última vez do pai e da mãe. Além de Rikuzentakata, nas outras três cidades mais atingidas, Iwate, Miyagi e Fukushima, mais de 230 crianças ficaram órfãs: 1.580 perderam um ou ambos os pais.
“Por um longo tempo, nenhum de nós queria falar sobre a tsunami”, conta Takashi.
O prefeito de Rikuzentakata, Futoshi Toba, cuja prefeitura também funciona num prédio pré-fabricado, fala e tenta divulgar o renascimento local. Tem planos de aumentar a população, criando uma cidade inclusiva que acolha pessoas que enfrentam desafios e dificuldades em outras regiões do Japão: como os LGBT (lésbicas, gays, bissexuais e transgêneros), deficientes, mães solteiras e imigrantes. Um imenso muro de 12 metros está sendo construído em alto-mar. Além disso, num maciço projeto de aterramento, vão ser criados quarteirões próximos à costa com 15 metros acima do nível do mar. Um shopping está previsto para abrir em três anos. Mas os projetos esbarram na realidade: faltam pessoas para irem às compras; empregos para dar dinheiro às pessoas para fazerem compras. Mesmo a pesca, principal atividade econômica antes da tsunami, não voltou aos níveis de antes da tragédia.
A usina nuclear de Fukushima ainda é uma das principais dores de cabeça para as autoridades. Apesar de o operador da instalação, a Tokyo Electric Power Co (Tepco), ter feito progressos na contenção e na remoção de resíduos radioativos em um dos reatores danificados, a tecnologia necessária para estabelecer a localização do combustível atômico nos outros três reatores ainda não foi desenvolvida.
“É extremamente difícil o acesso ao interior da usina nuclear”, admite o chefe da Tepco no processo de desmantelamento da usina, Naohiro Masuda. “O maior obstáculo é a radiação”.
Os robôs enviados na busca do combustível nuclear são considerados “mortos”: a radiação simplesmente derreteu os componentes. Uma “parede de gelo” subterrânea, prevista para ser instalada no entorno da usina com o objetivo de conter águas contaminadas, ainda não foi concluída. E, finalmente, as autoridades não sabem como descartar a água radioativa armazenada num número cada vez maior de tanques.
Promessa: cinco anos de recuperação
O melhor exemplo de reconstrução vem da cidade de Minamisoma. Cinco anos atrás, o prefeito Katsunobu Sakurai viu das janelas da prefeitura a devastação em forma de tsunami. Hoje, das mesmas janelas, assiste à reconstrução. Minamisoma registrou 500 mortes – e quase todos os 71 mil habitantes foram embora após o colapso da usina de Fukushima. Sakurai ficou: pelo YouTube, divulgou um vídeo, com legendas em inglês, pedindo ajuda ao mundo. A resposta veio em doações, resultando na descontaminação de cerca de metade das 23 mil residências e em reativação econômica suficiente para trazer de volta 57 mil pessoas.
“Eu fiquei mesmo quando todos se foram”, recorda Sakurai, que credita aos ancestrais samurais a determinação para seguir em frente, resultando na sua reeleição, por grande maioria de votos, enquanto outros prefeitos não tiveram a mesma aprovação popular: “Eu acho que as pessoas apreciaram o que fiz”.
Ontem, o primeiro-ministro japonês, Shinzo Abe, prometeu aumentar os esforços de reconstrução do Nordeste destruído, com vistas aos Jogos Olímpicos de 2020. Ele garantiu aumentar o trabalho de descontaminação e fixou metas ambiciosas para reabrir, até as Olimpíadas, a linha férrea costeira em Fukushima, uma das regiões mais afetadas pela radiação.
“Os próximos cinco anos serão de reconstrução e revitalização”, discursou Abe. “Planejamos assegurar um grande orçamento para lançar medidas de ajuda, de forma que as zonas afetadas pelo desastre voltem a ficar de pé”.
‘País não pode prescindir da energia atômica’
O primeiro-ministro do Japão, Shinzo Abe, foi categórico numa entrevista coletiva, ontem, ao afirmar que o país não pode descartar a energia atômica como uma das principais fontes da matriz energética da nação. A assertiva, quando se completam cinco anos do desastre na usina nuclear de Fukushima, no Nordeste do país, também ocorre num momento em que a opinião pública local é majoritariamente contrária às instalações atômicas, segundo sondagens.
“Nosso país, pobre em recursos naturais, não pode prescindir da energia nuclear para assegurar o fornecimento regular de energia, tendo em conta considerações econômicas e de mudanças climáticas”, discursou Abe.
Dos mais de 40 reatores nucleares japoneses, apenas dois estão em funcionamento no momento, em meio a um debate nacional sobre segurança atômica. Outros dois, na usina de Takahama, foram fechados anteontem por determinação da Justiça, que considerou insuficientes as medidas de prevenção a acidentes adotadas.
“A Autoridade de Regulação Nuclear considerou que estes reatores estavam em conformidade com as normas de segurança, que são as mais estritas do mundo, com base em critérios técnicos e científicos”, afirmou Abe, criticando a decisão judicial.
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