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Em 24 de fevereiro, após meses de trocas de acusações e diálogos infrutíferos, a Rússia invadiu a Ucrânia e amplificou tensões na região que vinham desde 2014, quando um governo pró-Moscou foi destituído na ex-república soviética e em retaliação o presidente Vladimir Putin anexou a península da Crimeia e apoiou separatistas em Donetsk e Luhansk, na região de Donbas.
Com a guerra completando três meses (segundo analistas, mais do que Putin esperava), a Ucrânia resiste e já não se projeta um cenário em que o país seja dominado totalmente pelos russos e o presidente Volodymyr Zelensky, derrubado e/ou morto, mas os combates seguem ferozes e não há desfecho claro por ora.
A Gazeta do Povo reuniu informações sobre o momento do conflito e algumas perspectivas para os próximos meses:
Quem está ganhando a guerra?
É difícil dizer, porque não se sabe exatamente quais eram os objetivos de Vladimir Putin antes da invasão – o presidente russo citou apenas as metas de “desnazificar” e “desmilitarizar” a Ucrânia.
Entre aliados de Kyiv e analistas militares, há consenso de que a Rússia esperava uma guerra curta e até mesmo derrubar o governo ucraniano, o que não conseguiu. O recuo na região da capital, de onde as tropas russas se retiraram no final de março, e a mudança no discurso, que passou a ser de concentrar forças no leste, onde Moscou já tinha o apoio dos separatistas de Donetsk e Luhansk, indicam que as coisas não saíram como Putin esperava. Prova disso é que não cantou triunfo nas comemorações do Dia da Vitória, em 9 de maio.
“Certamente, a Rússia acreditava que poderia tomar as cidades da Ucrânia em questão de dias e o resto do país depois. O fato de que não o fizeram é emblemático da arrogância no coração da visão de mundo de Putin”, declarou na semana passada o almirante Tony Radakin, chefe do Estado-Maior de Defesa do Reino Unido.
Entretanto, a Ucrânia também tem pouco a comemorar. Apesar de elogiado pela sua resistência à segunda maior potência militar do mundo (com muita ajuda externa, é verdade), o país perdeu Mariupol na semana passada, o que permitirá à Rússia estabelecer o sonhado corredor entre as regiões separatistas de Donbas e a Crimeia.
Este mês, a liderança da administração civil-militar pró-russa de Kherson, no sul da Ucrânia, anunciou planos para que a região seja incorporada à Rússia. Dessa forma, só uma reviravolta muito grande no campo de batalha impedirá que a Ucrânia perca território, possibilidade que Zelensky refutou em abril.
Qual é o número de refugiados da guerra?
Segundo a Organização das Nações Unidas (ONU), cerca de 14 milhões de pessoas deixaram suas casas na Ucrânia desde o início da guerra. Aproximadamente 6 milhões foram para outros países (a Polônia foi o destino principal, ao receber mais de 3,4 milhões de refugiados), enquanto 8 milhões seguiram para outros locais dentro do próprio território ucraniano.
Entretanto, o retorno já é significativo: a ONU informou na semana passada que ao menos 1,8 milhão de ucranianos voltaram ao país, devido principalmente à retomada de áreas e à saída dos russos em certas regiões, como em Kyiv e arredores.
Quantas mortes ocorreram nos dois lados?
Como narrativas são parte fundamental de esforços de guerra, os dados de baixas são imprecisos e variam muito conforme a fonte. O Ministério da Defesa do Reino Unido estima que mais de 15 mil militares russos e aliados já morreram na Ucrânia, o que representaria algo próximo das perdas que a União Soviética sofreu em toda a sua guerra no Afeganistão, entre 1979 e 89. O número mais recente divulgado por Moscou apontou 1.351 baixas nas forças russas até o final de março.
No lado ucraniano, os números também são imprecisos. Em abril, os Estados Unidos estimaram até 11 mil mortes de militares da Ucrânia. Nesta segunda-feira (23), a ONU informou que 3.930 civis ucranianos já perderam a vida no conflito, mas o próprio governo do país estima que o número já passa de 25 mil mortes – cerca de 21 mil apenas em Mariupol, cidade mais atingida pelos ataques russos.
Como ficará a economia dos dois países?
O Fundo Monetário Internacional (FMI) projeta que a destruição e as consequências econômicas da guerra provocarão uma queda de 35% do Produto Interno Bruto (PIB) da Ucrânia em 2022.
Para a Rússia, a retração projetada é de 8,5%, principalmente devido às fortes sanções econômicas impostas pelo Ocidente e aliados.
O resultado, entretanto, poderia ser muito pior – segundo recente relatório da Comissão Europeia, “graças aos altos preços e à forte demanda por commodities, a projeção é que as receitas de exportação serão fortes, aumentando o superávit corrente da Rússia para 14% do PIB em 2022”, o que “permitirá ao governo sustentar o rublo, os grupos vulneráveis e a economia, limitando o declínio do PIB real para 10,4% em 2022”.
Como fica a expansão da OTAN e da UE?
A expansão da Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN) e da União Europeia para o leste era uma preocupação confessa de Putin antes da guerra. A Ucrânia abriu mão por ora da intenção de solicitar entrada na aliança militar do Ocidente, mas pediu para ingressar na UE dias após o início do conflito – assim como Moldávia e Geórgia.
Entretanto, este mês, o presidente da França e atual presidente do Conselho da União Europeia, Emmanuel Macron, jogou um balde de água na fria nos planos das três ex-repúblicas soviéticas, ao dizer que o processo de entrada no bloco pode demorar décadas. Em vez disso, ele sugeriu que esses países poderiam se tornar membros de uma nova “comunidade política europeia”, que reuniria nações que compartilham os valores liberais da UE.
“A União Europeia, dado seu nível de integração e ambição, não pode ser a única forma de estruturar o continente europeu no curto prazo”, alegou Macron.
Quanto à OTAN, Finlândia e Suécia, que admitiram preocupações após a invasão russa à Ucrânia, desistiram de décadas de neutralidade militar e solicitaram na semana passada a adesão à aliança.
O secretário-geral da organização, Jens Stoltenberg, sinalizou que o processo de entrada dos dois países nórdicos deve ser rápido e que espera vencer a resistência da Turquia – Ancara informou que pretendia barrar as adesões sueca e finlandesa, sob o argumento de que as duas nações candidatas abrigariam terroristas curdos.