A sentença do Tribunal Supremo de Justiça (TSJ) da Venezuela, determinando na madrugada de quinta-feira (30) que sua Sala Constitucional é quem exerce “competências parlamentárias” no país — dado o que considera uma situação de desacato da Assembleia Nacional (AN) —, provocou forte reação entre juristas, dirigentes políticos de oposição, membros de ONGs e organismos internacionais. Veja os cinco pontos-chave da crise.
Para todos, houve uma ruptura da ordem constitucional e um golpe contra o Poder Legislativo. A palavra “golpe” instalou-se dentro e fora da Venezuela e levou o secretário-geral da Organização de Estados Americanos (OEA), Luis Almagro, a convocar uma reunião de emergência do Conselho Permanente da entidade para discutir a crise e sua proposta de aplicar a Carta Democrática.
Almagro voltou a defender, enfaticamente, o uso da Carta para exigir ao governo do presidente Nicolás Maduro a realização de eleições no curto prazo. “[A Carta] deveria ter sido acionada com rigor para não lamentarmos outro golpe de Estado no hemisfério”, disse o secretário-geral.
Dois dias depois de ter publicado outra sentença, dando poderes ilimitados ao chefe de Estado e retirando a imunidade dos congressistas do país — que poderão agora ser julgados por tribunais militares —, o TSJ utilizou uma decisão sobre a interpretação da Lei Orgânica de Hidrocarbonetos para anular, total e oficialmente, a AN, controlada pela oposição. O objetivo da sentença era autorizar o Executivo a criar empresas mistas no setor, sem necessidade, como indica a Constituição, de autorização do Parlamento.
Explicada a parte central da resolução, o TSJ aproveitou para avançar sobre o Legislativo. “Finalmente, se adverte que, enquanto persistir a situação de desacato e de invalidez das atuações da AN, esta Sala Constitucional garantirá que as competências parlamentares sejam exercidas por esta Sala ou pelo órgão que ela dispor, para velar pelo Estado de Direito.”
Chavistas
Alguns dos membros da Sala Constitucional do TSJ, como Calixto Ortega, são dirigentes do Partido Socialista Unido da Venezuela (PSUV) e ocuparam cadeiras na bancada governista. Outros foram alvo de acusações por parte de ONGs locais, como a Acesso à Justiça, que denunciam graves irregularidades envolvendo membros da Sala Constitucional.
O desacato refere-se à situação de três deputados do estado do Amazonas, que tiveram as eleições questionadas e, num primeiro momento, tomaram posse. Meses depois, porém, em meio ao fracassado diálogo com o governo, a AN desincorporou os três congressistas como gesto de boa vontade.
“Estamos vendo a manifestação mais explícita de uma ruptura da ordem constitucional. O suposto desacato é usado como desculpa para desconhecer a AN”, afirmou o jurista Juan Manuel Raffalli, professor da Universidade Católica Andrés Bello. “A partir de agora, nossos parlamentares serão magistrados chavistas. Alguns deles foram deputados do partido do governo!”
Entre os deputados da majoritária Mesa de Unidade Democrática (MUD), a sentença foi interpretada como a confirmação de que a Venezuela vive uma ditadura. “Iniciamos o caminho da ditadura, e é isso o que teremos de derrotar, todos juntos. Vamos traçar uma estratégia de luta, nas ruas, nos órgãos internacionais, nos sindicatos, nas empresas”, disse o opositor Julio Montoya, que teme que o passo dado pelo TSJ possa levar o país a uma anarquia social.
Estamos vendo a manifestação mais explícita de uma ruptura da ordem constitucional.
Em abril de 2002, o então presidente Hugo Chávez foi derrubado por um golpe que durou 48 horas, durante as quais foi dissolvida a Assembleia Nacional por parte do efêmero e questionado governo de Pedro Carmona. Para Rocio San Miguel, diretora da ONG Controle Cidadão, o chavismo está fazendo exatamente a mesma coisa.
“Estamos presenciando o nascimento de uma ditadura. O chavismo está atuando da mesma maneira que Carmona”, assegurou Rocio. “Maduro poderá fazer o que quiser, usará o dinheiro do Estado sem controle algum. Os protestos são criminalizados, temos mais de cem presos políticos e milhares de pessoas anônimas sendo perseguidas.”
1. Luta de poderes
O choque de poderes é constante desde janeiro de 2016, quando a coalizão opositora Mesa da Unidade Democrática (MUD) assumiu o controle do Legislativo após 17 anos de hegemonia chavista.
O Tribunal Superior de Justiça (STJ), acusado pela oposição de servir ao presidente Nicolás Maduro, declarou a Câmara em desacato e anulou todas as suas decisões, por ter empossado três deputados acusados de fraude eleitoral.
2. Eleições no limbo
A oposição voltou em 2016 a impulsionar um referendo revogatório contra Maduro, mas o processo foi suspenso em 20 de outubro pelo poder eleitoral, que alegou irregularidades.
Descartado o referendo, a oposição pediu a antecipação das eleições presidenciais, o que Maduro rejeita. Essas eleições estão marcadas para dezembro de 2018, enquanto as estaduais, previstas para o fim do ano passado, foram adiadas por prazo indeterminado.
3. Catástrofe econômica
A queda dos preços do petróleo desde 2014 prejudicou a economia venezuelana, que recebe 96% de suas divisas da exportação do produto.
O país teve que diminuir drasticamente as importações, causando uma escassez de todo tipo de bens, o que mantém debilitada a indústria local por falta de insumos. O agudo desabastecimento é combinado com a inflação mais alta do mundo, que o FMI projeta em 1.660% para 2017.
4. Diálogo fracassado
Após a tentativa de convocar o referendo, governo e oposição iniciaram um diálogo político em outubro com o acompanhamento do Vaticano e da União das Nações Sul-americanas (Unasul), mas a MUD o congelou em dezembro.
5. Criminalidade e direitos humanos
Cerca de 28.000 mortes violentas foram registradas no país em 2016: 91,8 a cada 100 mil habitantes, taxa dez vezes maior do que a média mundial , segundo a ONG Observatório Venezuelano da Violência (OVV).
Ao mesmo tempo, multiplicam-se as denúncias de violações dos direitos humanos por parte da força pública, como execuções e invasões ilegais.
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