Ouça este conteúdo
Na segunda-feira (8), dia seguinte ao segundo turno das eleições legislativas na França, o primeiro-ministro do país, Gabriel Attal, apresentou sua renúncia ao presidente Emmanuel Macron. Este, porém, pediu que permanecesse no cargo até que seja escolhido um substituto – uma equação política que por ora não se sabe como será resolvida.
O sucessor de Attal será o quinto premiê francês desde que Macron se tornou presidente, em maio de 2017.
Ao final das eleições parlamentares, a Assembleia Nacional da França passou a ter três grandes blocos políticos: o esquerdista Nova Frente Popular (NFP), com 180 cadeiras; a coalizão de Macron, com 159; e a direita nacionalista do Reagrupamento Nacional (RN), com 142 assentos.
Nenhum desses grupos chegou sequer perto da maioria absoluta (ao menos 289 cadeiras). Eles não dialogam entre si, o que dificulta criar uma coalizão ampla capaz de sustentar um premiê, a ser indicado por Macron para formar o governo, que consiga sobreviver a moções de desconfiança na casa, o equivalente ao processo de impeachment no Brasil.
Na França, é comum que um presidente tenha mais de um primeiro-ministro ao longo do seu mandato ou mandatos, e Macron não teve dificuldades para indicar nomes no seu primeiro período no Palácio do Eliseu (2017-2022).
Édouard Philippe, premiê entre 2017 e 2020, só saiu porque venceu a eleição para ser prefeito da cidade de Le Havre. Seu substituto, Jean Castex, ficou até maio de 2022 e saiu após Macron ser reeleito, seguindo a tradição francesa de mudanças de premiê após a eleição.
Porém, no mês seguinte, ocorreu um fato que deu início à atual crise política na França. A coalizão de Macron perdeu a maioria absoluta na eleição daquele ano para a Assembleia Nacional, o que deixou a nova premiê indicada pelo presidente, Élisabeth Borne, numa posição extremamente frágil.
Ela enfrentou 31 moções de desconfiança na casa e esteve muito perto de ser deposta em março do ano passado: faltaram apenas nove votos para a oposição conseguir derrubar a reforma previdenciária imposta por Macron por meio de um mecanismo constitucional e também o governo liderado por Borne.
Attal a substituiu há apenas seis meses e também teve sua cabeça colocada a prêmio. Em junho, ele sobreviveu a dois votos de desconfiança, apresentados separadamente pelo França Insubmissa (um dos principais partidos da NFP) e pelo RN depois de o governo anunciar novos cortes orçamentários, poucos dias antes de o presidente dissolver a Assembleia Nacional e antecipar as eleições legislativas da França após a vitória da direita nacionalista nas eleições francesas para o Parlamento Europeu.
Agora, com o impasse político ampliado na Assembleia Nacional, ninguém vislumbra que os três blocos dominantes na casa darão vida fácil para um novo primeiro-ministro que não seja do seu espectro político. Ou seja, a França pode ter se tornado ingovernável.
“Nenhuma das forças políticas tem muito interesse em trabalhar umas com as outras, porque os partidos franceses são concebidos principalmente para preparar candidatos à presidência”, afirmou Olivier Costa, professor e pesquisador do Instituto de Estudos Políticos de Paris, em entrevista ao The New York Times.
Ben Hall, analista do Financial Times, apontou em artigo que a França parece estar regressando “à era de ingovernabilidade do pós-guerra”.
“A França parece ter voltado no tempo até a Quarta República (1946-1958), o período volátil do pós-guerra, quando a presidência era mais fraca e um Parlamento estridente era supremo”, escreveu Hall, que previu “meses, possivelmente anos, de incerteza”.