Em matéria publicada na manhã deste domingo de votação do primeiro turno (2), a seção internacional da CNN, multinacional de notícias, alega que as eleições brasileiras estão “manchadas por um clima sem precedentes de tensão e violência”.
Os autores comentam que os candidatos Bolsonaro e Lula foram vistos com frequência durante a campanha rodeados por seguranças e policiais, e que o primeiro usou colete à prova de balas em Juiz de Fora quando iniciou a campanha da reeleição, cidade em que ele foi esfaqueado por Adélio Bispo em 2018. Lula também foi visto usando um colete do tipo no Rio.
Como evidência para o título, a matéria menciona dois incidentes fatais no último fim de semana, envolvendo dois homens mortos por esfaqueamento, um apoiador de Lula no Ceará e um apoiador de Bolsonaro em Santa Catarina. Um terceiro caso mencionado foi a morte de Marcelo Arruda, tesoureiro do PT em Foz do Iguaçu (PR), a tiros em sua festa de aniversário em julho. O agente penal federal Jorge Guaranho, apoiador de Bolsonaro, está em julgamento pela autoria do crime. Um vídeo de câmera de segurança mostra que os dois discutiram na porta do local da festa, Arruda atirou um objeto na direção do carro de Guaranho, que saiu e voltou dez minutos depois, iniciando uma troca de tiros. Arruda caiu, baleado. Guaranho também foi alvejado e levou chutes na cabeça de três homens. Ele se recuperou em hospital antes de ser preso.
Um caso não mencionado na matéria foi o agradecimento de Lula à violência praticada em Diadema (SP) por seu apoiador Manoel “Maninho do PT” Marinho, que empurrou um empresário que gritava ofensas aos petistas na frente do Instituto Lula. Carlos Alberto Bettoni, o empresário, bateu a cabeça contra um caminhão e sangrou na pista. Teve traumatismo craniano e ficou com sequelas permanentes, vindo a falecer no fim de 2021. Este caso e o caso de Foz do Iguaçu foram comentados em editorial da Gazeta do Povo, que condenou a escalada da retórica desumanizadora e da violência política.
Onde a CNN erra
Livros inteiros já foram dedicados a esclarecer que, ao contrário do que pode parecer para muitos ao saber de casos como esses, a violência está em declínio geral há muito tempo. Um desses livros é “Os Anjos Bons da Nossa Natureza” (Cia das Letras, 2017), do celebrado psicólogo de Harvard Steven Pinker. Ele abre o livro falando de normas sociais que antes tratavam a violência como algo normal, como a prática de duelos entre homens na Europa, que persistiu por séculos até uma grande campanha de mudança cultural. Pinker também utiliza números mais objetivos: a taxa de homicídio entre aqueles que vivem o modo de vida ancestral caçador-coletor, por exemplo, é bem mais alta que as atuais taxas de democracias liberais.
Ao contrário de Pinker ao comentar o estado geral da violência no mundo ao longo do tempo, a CNN não apresenta comparações históricas nem dados do passado para afirmar que o Brasil enfrenta em suas eleições violência “sem precedentes”. Também não dispõe de evidências suficientes de que a votação foi “assolada por violência e medo”. Uma coleção de casos isolados não se traduz em tendência populacional, especialmente para um país do tamanho do Brasil.
Os casos de violência política digna do nome no Brasil são poucos e raros, comparados com o tamanho da população. Há mais motivo para celebrar que milhões de eleitores, apesar de uma rivalidade acirradíssima entre candidatos, projetos de país e até visões de mundo, escolham fazer esse embate nas urnas, esperando pacificamente nas filas das zonas eleitorais.
Até mesmo a percepção de polarização sem precedentes é questionável. Philip Fernbach e Leaf Van Boven, um especialista em business e um psicólogo da Universidade de Colorado em Boulder, propõem em um artigo de fevereiro que boa parte da percepção atual de uma polarização política exacerbada é ilusória. Entre os motivos para essa percepção falsa estariam uma simplificação exagerada da realidade sociológica, e uma amplificação emocional dos problemas.
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