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EUA-Afeganistão

Colapso das negociações com o Talibã revela racha no governo Trump

O presidente Donald Trump conversa com jornalistas em jardim da Casa Branca, Washington, 9 de setembro de 2019 (Foto: NICHOLAS KAMM / AFP)

O presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, cancelou uma reunião secreta com o Talibã que ocorreria neste domingo (8), diminuindo as chances de um acordo de paz que colocaria um fim na guerra do Afeganistão e colocando um grande ponto de interrogação sobre os planos do governo americano para a retirada de suas tropas do país do Oriente Médio.

As negociações "estão mortas. No que me diz respeito, elas estão mortas", disse Trump nesta segunda-feira (9) a jornalistas no jardim da Casa Branca.

Oficialmente, Trump disse que cancelou o encontro em resposta à morte de um soldado americano em um ataque do Talibã na quinta-feira passada, um dos 16 mortos desde o início deste ano.

Mas diferentes versões sobre o que levou ao cancelamento da reunião e outras negociações entre EUA e Talibã expuseram um racha dentro da administração Trump. De um lado, o secretário de Estado Mike Pompeo, cujo principal negociador, Zalmay Khalilzad, disse há uma semana que o acordo entre as partes "em princípio" havia sido alcançado após 10 meses de conversas com os militantes. Do outro, o conselheiro de segurança nacional da Casa Branca, John Bolton, que se opôs ao conversas.

Pompeo espera que a retirada de 5.000 soldados americanos do Afeganistão, planejada para o início de 2020, não seja adiada - o número representa mais de um terço do total de tropas no país. No fim do ano que vem, Trump quer tirar todos os soldados de lá. Em troca, o Talibã prometeu cortar os laços com a al-Qaeda e apoiar os esforços de combate ao terrorismo.

Mas "qualquer redução em nossas forças se baseará nas condições reais" em terreno, disse Pompeo no programa "Meet the Press" da NBC, uma das cinco entrevistas que ele deu após o anúncio surpresa de Trump.

O Departamento de Defesa, disse Pompeo no "Fox News Sunday", tem "total autoridade para fazer o que precisa" para proteger as forças americanas e impedir outro ataque terrorista como o de 11 de setembro de 2001, cujo 18º aniversário é quarta-feira. Questionado se as tropas americanas permaneceriam no Afeganistão no nível atual de mais de 14.000, Pompeo disse ao "Face the Nation" da CBS que "não posso responder a essa pergunta. É decisão do presidente".

Mas há quem pense que Trump provavelmente seguirá em frente com a retirada inicial planejada, independentemente do aparente colapso das negociações. Um funcionário familiarizado com as deliberações da Casa Branca disse que o cancelamento da reunião é parte de uma vitória mais ampla para Bolton.

Trump foi a pessoa que mais pressionou para que a reunião com o Talibã ocorresse, de acordo com um alto funcionário do governo que falou apenas sob a condição de anonimato. Comparando a iniciativa da reunião pessoal de Trump com o líder norte-coreano Kim Jong-un, e seu desejo declarado de se encontrar com o presidente iraniano Hassan Rouhani, esse funcionário disse que Trump acha que seu estilo pessoal pode convencer qualquer um, e que ele viu a possibilidade de uma retirada substancial de militares do Afeganistão como uma grande vantagem para sua campanha de reeleição.

Embora muitos membros do governo tenham questionado as conversas com o Talibã, Pompeo e Bolton estão em desacordo sobre o assunto.

Bolton havia expressado suas reservas sobre o acordo no momento em que Khalilzad informou Trump sobre termos alcançados no final de agosto, de acordo com o funcionário familiarizado com as deliberações da Casa Branca.

As autoridades do Departamento de Estado disseram que Trump indicou durante a reunião que estava provisoriamente satisfeito com o acordo e autorizou Khalilzad a avançar, mas, segundo o funcionário, o presidente não havia aprovado um acordo final. Bolton continuava defendendo outro caminho. Ele estava em comunicação direta com Khalilzad e com o presidente sem a presença de Pompeo.

Bolton não se opôs a reduzir o atual número de tropas dos EUA para 8.600 - similar ao número de tropas no Afeganistão quando Trump assumiu o cargo - mas rejeita qualquer acordo com o Talibã. Sua opinião é de que o presidente pode cumprir sua promessa de retirada de campanha sem um acordo e pode simplesmente decidir sobre uma redução.

Um funcionário familiarizado com a abordagem do Departamento de Estado se recusou a comentar essas observações, mas disse que Pompeo tem o cuidado de nunca demonstrar diferenças entre ele e o presidente. Esse funcionário destacou que Pompeo foi designado para representar o governo nos cinco principais programas de entrevistas da manhã de domingo.

Houve pouca discordância de que os eventos do fim de semana provavelmente levarão ao aumento da violência no Afeganistão. Pompeo negou extensos relatos de que o Talibã obteve ganhos significativos no campo de batalha nos últimos meses. "Para o Talibã, as condições estão piorando. E estão prestes a piorar ainda mais", disse ele.

"Você deveria saber que nos últimos dez dias matamos mais de mil talibãs", disse Pompeo em entrevista à CNN. "E, embora essa não seja uma guerra de desgaste, quero que o povo americano saiba que o presidente Trump está enfrentando o Talibã em um esforço para garantir a proteção dos interesses dos EUA".

O Talibã disse que a decisão de encerrar o processo de paz entre EUA e o grupo por ora "levaria a mais perdas para os Estados Unidos", disse o porta-voz Zabiullah Mujahid em comunicado. "A credibilidade [dos EUA] será afetada, sua postura anti-paz será exposta ao mundo, as perdas de vidas e de bens aumentarão."

Pelo Twitter, Trump disse na noite de sábado que havia cancelado a visita do presidente afegão Ashraf Ghani e "dos principais líderes do Talibã" após a morte do sargento do Exército Elis Angel Barreto Ortiz, 34 anos, morto na quinta-feira em um ataque do Talibã. "Se eles não podem concordar com um cessar-fogo durante essas negociações de paz muito importantes… Provavelmente não têm o poder de negociar um acordo significativo".

"Que tipo de pessoas matariam tantos para aparentemente fortalecer sua posição de negociação?", perguntou Trump.

Autoridades dos EUA disseram que a decisão de cancelar a reunião na base militar de Camp David, que estava sendo planejada havia mais de uma semana, foi tomada na quinta-feira. O alto funcionário do governo disse que Trump decidiu tuitar sobre a existência e o cancelamento da reunião na noite de sábado para "controlar a narrativa".

Enquanto a controvérsia sobre o status das negociações com o Talibã tomava conta de Washington e Cabul no domingo, o presidente, que passou o dia jogando golfe, não voltou a mencionar o assunto.

O presidente afegão aparentemente não foi informado sobre o cancelamento da reunião até sexta-feira. Seu gabinete disse naquela manhã, sem dar detalhes, que Ghani planejava viajar a Washington no fim de semana para consultas. Mais tarde, autoridades disseram que sua viagem foi "adiada".

Também não ficou claro quando Khalilzad foi informado, ou se os militantes foram de fato convidados, e se concordaram, a ir para Washington. O negociador americano havia deixado Cabul para as negociações finais com o Talibã em Doha, no Catar, na quinta-feira.

Em sua declaração divulgada no domingo, Mujahid disse que "a equipe de negociação americana estava satisfeita até ontem com o progresso feito até agora e encerramos as negociações em um bom ambiente. Ambos os lados estavam preparados para anunciar o acordo e assiná-lo".

Uma "reunião e diálogo entre os afegãos" tinha sido marcada para 23 de setembro, "após o anúncio da assinatura do acordo", afirmou o comunicado. As negociações diretas do Talibã com o governo afegão foram uma exigência de Ghani e fizeram parte do acordo negociado por Khalilzad. Essas conversações também incluiriam a discussão sobre um cessar-fogo na guerra.

As autoridades envolvidas nas negociações há muito tempo já haviam dito que a posição do Talibã durante as conversas era de manter o combate até que um acordo de cessar-fogo fosse alcançado, e que eles esperavam que a violência aumentasse antes da finalização do acordo.

Em suas entrevistas no domingo, Pompeo defendeu a decisão inicial de Trump de se reunir com o Talibã em Camp David e argumentou que o presidente estava disposto a correr um risco político para conseguir um acordo e reduzir a presença de tropas dos EUA no Afeganistão.

"Se você vai negociar a paz, muitas vezes precisa lidar com algumas figuras muito ruins", disse ele na ABC News.

Mas outros criticaram fortemente a negociação, incluindo um grupo de ex-embaixadores dos EUA no Afeganistão, que disseram que isso poderia piorar as coisas. E alguns republicanos rapidamente repudiaram a ideia de trazê-los para Camp David.

"Camp David é o local onde os líderes americanos se reuniram para planejar nossa resposta depois que a Al Qaeda, apoiada pelo Talibã, matou 3000 americanos no 11 de setembro", tuitou a deputada Liz Cheney, a republicana número 3 na Câmara, depois das aparições de Pompeo na televisão. "Nenhum membro do Talibã jamais deve pisar lá. Nunca."

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