O sistema de saúde da Venezuela está em "colapso total", segundo um relatório, que mostra a disseminação exponencial de doenças que podem ser evitadas por vacinação, como sarampo e difteria, e "surtos dramáticos" de doenças infecciosas, como malária e tuberculose.
O relatório, divulgado nesta quinta-feira (4) pela Human Rights Watch e pela Escola Bloomberg de Saúde Pública Johns Hopkins, está entre os poucos que procuraram quantificar a miséria da Venezuela, pois o país deixou de divulgar dados sobre saúde e nutrição e retaliou aqueles que o fizeram.
Com base em entrevistas com médicos e outros profissionais de saúde na Venezuela, realizadas por telefone e online; refugiados na Colômbia e no Brasil, incluindo profissionais de saúde; e representantes de organizações humanitárias e internacionais, o relatório conclui que a Organização das Nações Unidas deve assumir a liderança no fornecimento de ajuda.
A ONG apela ao secretário-geral da ONU, António Guterres, que encabece os esforços para declarar uma emergência humanitária complexa, uma designação oficial que desencadearia um esforço importante e abrangente sob os auspícios da ONU e liberaria a mobilização de recursos internacionais.
Assistência proibida
A ajuda humanitária à Venezuela tem sido lenta, comparada com a necessidade, por causa da intransigência do ditador Nicolás Maduro – que põe a culpa das privações nas sanções dos EUA e se recusou a permitir que a assistência entrasse no país, apenas recentemente concordando com a entrada de ajuda da Cruz Vermelha – e a relutância de alguns doadores em permitir que a assistência seja distribuída pelo regime de Maduro.
Uma declaração da ONU, afirmam os autores dos relatórios, colocaria Guterres em posição de pressionar Maduro para permitir que as agências da ONU liderassem e implementassem uma ajuda humanitária em larga escala.
Guterres disse que as Nações Unidas não deveriam se juntar a nenhum dos grupos de nações que promovem várias soluções políticas para a crise venezuelana. Eles incluem o Grupo de Lima – de 14 nações latino-americanas, que junto com os Estados Unidos e alguns países europeus exigiram que Maduro deixe o cargo em favor de Juan Guaidó, chefe da Assembleia Legislativa da Venezuela, a quem eles reconheceram como presidente interino do país em janeiro.
O governo Trump impôs duras sanções econômicas e diplomáticas contra o governo de Maduro, ao mesmo tempo em que descarregava centenas de toneladas de alimentos e suprimentos médicos ao longo da fronteira venezuelana na vizinha Colômbia, que tiveram a entrada proibida por Maduro.
Um grupo de contato da União Europeia e oito estados membros da UE, junto com quatro países latino-americanos – a maioria entre os 54 países que reconheceram Guaidó – pediu novas eleições. Separadamente, o México e o Uruguai dizem que adotaram uma postura "neutra", ainda reconhecendo Maduro e pedindo um diálogo político.
As diferenças entre os grupos deixaram as Nações Unidas em um tipo de dilema sobre como abordar a situação, enquanto evita uma posição sobre qual deveria ser o resultado político. Outros membros importantes da ONU, incluindo a Rússia, um aliado de Maduro, criticaram a interferência dos EUA.
Regime deve sair do caminho, dizem EUA
Perguntado se os Estados Unidos apoiariam a tomada do controle da ajuda pela ONU, Elliott Abrams, enviado especial do governo americano à Venezuela, disse que o relatório é consistente com os relatórios do governo dos EUA e "contradiz os esforços do regime de Maduro para minimizar o trauma imposto ao povo venezuelano". "Os Estados Unidos continuam buscando formas de fornecer assistência humanitária ao povo venezuelano", disse Abrams. "O regime deve sair do caminho e deixar de bloquear a maior parte da assistência e politizar os montantes que estão disponíveis".
O governo americano denunciou que o apoio russo e cubano tem mantido Maduro no poder. Após a chegada de cerca de 100 militares russos na Venezuela, o presidente Donald Trump disse na semana passada que "a Rússia precisa sair".
Em uma entrevista de rádio na quarta-feira com Hugh Hewitt, o secretário de Estado Mike Pompeo disse que "não pode falar sobre todas as opções que estão sendo consideradas", mas que a recusa da Rússia em sair significa que "nos voltaremos para outras ferramentas do poder americano". Até agora, a administração Trump e seus parceiros não conseguiram convencer os poderosos militares venezuelanos a se separarem de Maduro, mesmo quando milhões de pessoas fugiram do país ou têm ido às ruas em protesto.
Situação sombria
O novo relatório retrata uma imagem extremamente sombria da vida na Venezuela, cuja economia, que já foi próspera, implodiu por má administração e corrupção sob o regime de Maduro, presidente desde a morte do líder Hugo Chávez em 2013. As exportações de petróleo caíram para menos da metade.
Além da desnutrição generalizada e do aumento acentuado dos níveis de mortalidade materna e infantil, mais de 9.300 casos de sarampo foram registrados desde junho de 2017, em comparação com um único caso registrado entre 2008 e 2015. "A Venezuela não teve um único caso de difteria entre 2006 e 2015", diz o relatório, "mas mais de 2.500 casos suspeitos foram relatados desde julho de 2016".
A eletricidade e a água estão cada vez mais escassas, assim como comida e medicamentos. O relatório citou um documento da Organização Pan-Americana da Saúde de 2018, que estima que quase 9 dos 10 venezuelanos vivendo com HIV não estavam recebendo tratamento. Observando que a privação há muito antecede as sanções impostas recentemente pelos EUA, o documento diz que "as autoridades venezuelanas sob Maduro ocultaram as informações oficiais de saúde. Assediaram e retaliaram quem coletou dados ou falou sobre escassez de alimentos e remédios".
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