Autoridades colombianas estão exumando dezenas de corpos para averiguar se os mortos eram civis executados por militares e apresentados falsamente como guerrilheiros mortos em combate.
As autoridades dizem que soldados sob pressão de seus comandantes mataram milhares de civis entre 1998 e 2014 e alegaram que as vítimas eram membros do grupo guerrilheiro das Farc (Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia). Eles plantaram armas com suas vítimas e os vestiram com uniformes de combatentes. O escândalo ficou conhecido entre os colombianos como "Falsos Positivos".
O número de assassinatos aumentou de 2005 a 2009 sob o governo do então presidente Álvaro Uribe, que liderou uma ofensiva violenta contra as Farc.
O Tribunal Especial para a Paz do país, criado conforme o acordo de paz de 2016 que encerrou o conflito que já durava 50 anos na Colômbia, anunciou no sábado que havia começado a exumação de pelo menos 50 corpos, a maior operação do tipo até hoje.
O trabalho começou na semana passada no cemitério católico de Las Mercedes, na cidade de Dabeiba, no departamento de Antioquia, informou o tribunal em comunicado. A operação teve início após a corte ter ouvido "uma série de testemunhos voluntários", incluindo o de um ex-soldado que disse que sabia de falsos positivos na cidade.
O soldado, que estava sob custódia, acompanhou as autoridades ao cemitério, localizado em uma pequena montanha. Ele falou por uma hora com as autoridades sobre o papel dele na operação para ocultar as mortes de civis, disse à reportagem uma ativista de direitos humanos que estava no local.
A ativista Adriana Arboleda, que representa as vítimas por meio de uma ONG chamada Corporação Jurídica Liberdade, considerou a exumação "um passo importante".
"O tribunal está provando que está trazendo à luz casos que estavam e teriam permanecido impunes", disse ela. "Isso oferece esperança de que o país consiga conhecer a verdade e recuperar os corpos. Coisas pelas quais as famílias das vítimas há muito tempo anseiam".
O tribunal disse que foram recuperados os sete primeiros corpos das mais de 50 vítimas que estimam-se estar enterradas no cemitério. A maioria das vítimas tinha entre 15 e 56 anos, segundo o tribunal; alguns tinham deficiências.
Dificuldades do acordo de paz
As maiores cidades da Colômbia foram agitadas nas últimas semanas por manifestações em massa contra o governo do presidente Iván Duque - em parte, dizem os manifestantes, porque ele não conseguiu implementar completamente os acordos de paz assinados por seu antecessor, Juan Manuel Santos.
Dezenas de membros desmobilizados das Farc, incluindo alguns que participaram das históricas negociações de paz, retomaram as armas e retornaram à selva para continuar o combate. Mais de 700 ativistas, líderes indígenas e guerrilheiros das Farc desmobilizados foram mortos desde 2016.
Guillermo Botero, ministro da Defesa de Duque, renunciou em novembro, depois que surgiram evidências de que crianças haviam morrido em operações contra grupos dissidentes das Farc. O jornal New York Times informou em maio que os comandantes militares ordenaram que as tropas matassem mais criminosos e militantes, indicando que aceitariam mais danos colaterais.
As vítimas do conflito armado aguardavam há muito tempo pelas exumações, já que a operação é um passo além dos testemunhos.
Dezenas de soldados compareceram ao tribunal desde 2016 para serem julgados sob a justiça de transição, o que lhes oferece redução de penas caso cooperem. As investigações sobre os falsos positivos começaram no ano passado.
"Conversamos com mais de cem militares", disse Alejandro Ramelli, magistrado do tribunal, ao jornal colombiano El Espectador. "Eles nos revelaram dezenas de incidentes, mas agora temos que confirmar se o que eles estão dizendo é verdade".
Os testemunhos de mais de 160 soldados ajudaram as autoridades a identificar cerca de 400 vítimas até o momento, informou o tribunal no sábado. O painel disse no ano passado que 1.944 soldados, envolvidos em mais de 2.500 casos de falsos positivos, estavam dispostos a cooperar com as investigações.
O gabinete do procurador-geral registrou mais de 2.200 vítimas desde 1998; ativistas acreditam que o número esteja mais próximo de 5.000.
As autoridades entraram no cemitério de Dabeiba acompanhadas por soldados que receberam ordens para provar seus testemunhos, segundo a imprensa colombiana.
Ramelli disse ao jornal El Espectador que os corpos seriam identificados e mais testemunhas seriam entrevistadas.
Os acordos de paz de 2016 polarizaram a Colômbia e o tribunal de paz esteve no centro da controvérsia. Críticos dizem que os autores de crimes de guerra provavelmente receberão menos punições do que merecem. Outros dizem que a oferta de leniência a quem coopera está trazendo à luz crimes que de outra forma seriam esquecidos.
"As exumações mostram que os criminosos confiam nos tribunais especiais", disse Kenneth Burbano, diretor do Observatório Constitucional da Universidade Livre da Colômbia e ex-magistrado do tribunal. "Em meio a protestos, é um sinal claro do que o governo precisa entender: tudo o que ele precisa fazer é apoiar a busca pela verdade".
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