A Colômbia inicia a semana em choque com o resultado surpreendente do plebiscito de domingo (2), a vitória do “Não” ao acordo de paz com a guerrilha das Farc, um duro golpe ao governo de Juan Manuel Santos, que coloca em dúvida o processo para superar meio século de violência.
O resultado fez Humberto de la Calle, chefe negociador do governo da Colômbia nos diálogos com as Farc, colocar, nesta segunda-feira, seu cargo à disposição do presidente Santos.
“Os erros que cometemos são de responsabilidade exclusivamente minha. Assumo plenamente a responsabilidade política. Consequentemente, vim dizer ao presidente que coloco a sua disposição meu cargo de chefe da delegação, porque não serei obstáculo para o que se seguir”, disse De la Calle a jornalistas a partir da Casa de Nariño.
O resultado apertado das urnas - 50,21% para o “Não” e 49,78% para o “Sim” - evidencia um país dividido sobre como alcançar a paz que todos dizem almejar, mas que é algo muito complicado.
“A Colômbia está na incerteza”, afirmou à AFP Angelika Retteberg, diretora do Mestrado de Construção da Paz da Universidade dos Andes, sobre as perguntas provocadas a respeito do fim do conflito com as Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (Farc).
O revés, inesperado tanto para o presidente Juan Manuel Santos como para o líder máximo das Farc, Rodrigo Londoño (“Timochenko”), intensificou no entanto a vontade de ambos de buscar uma saída política para o conflito armado.
Após derrota em referendo, Farc se dizem dispostas a rever acordo de paz
Leia a matéria completa“Não me renderei”, declarou Santos em um discurso no domingo à noite na sede da presidência, a Casa de Nariño, ao lado da equipe do governo que negociou o acordo. “Seguirei buscando a paz até o último dia de meu mandato, porque este é o caminho para deixar um país melhor aos nossos filhos”, completou, muito sério.
Quase ao mesmo tempo, em Havana, sede das negociações de quase quatro anos, Timochenko afirmou que os rebeldes “mantêm a vontade de paz e reiteram sua disposição de usar apenas a palavra como arma de construção para o futuro”. O chefe falou, inclusive, em rever os itens do acordo (veja ao lado).
Santos, empenhado desde o início em legitimar pelo voto popular o acordo de paz, convocou para esta segunda-feira (3) uma reunião com todas as forças políticas, “para escutá-las, abrir espaços de diálogo e determinar o caminho a seguir”.
“Em diálogo político anunciado por @JuanManSantos as Farc-EP devem ter um assento como força política que trabalha pela paz do país”, escreveu Timochenko no Twiter.
Alta abstenção
Nenhuma pesquisa antecipou o resultado. O pleito ocorreu quase uma semana depois da assinatura do acordo de paz, por Santos e Timochenko, em uma cerimônia solene em Cartagena, diante de 15 chefes de Estado e do secretário-geral da ONU, Ban Ki-Moon.
Quase 34,9 milhões de colombianos estavam registrados para comparecer às urnas. Mas o voto não era obrigatório e o índice de participação foi de apenas 37,43%.
Para Carlos Malamud, pesquisador sobre a América Latina do Real Instituto Elcano, a alta abstenção é explicada por vários motivos: as fortes chuvas provocadas pela passagem do furacão Matthew, que afetaram a jornada eleitoral, o triunfalismo da campanha do “Sim” e uma “certa soberba de suas propostas”.
“A mensagem dos partidários do ‘Não’ sobre o excesso de impunidade calou profundamente”, destacou, antes de explicar a vitória do “Não” como um êxito da campanha de medo do líder da oposição, o ex-presidente Álvaro Uribe (2002-2010), para quem o acordo levava o país ao “castrochavismo” de Cuba e Venezuela.
“O resultado pode ser visto como um triunfo de Uribe”, disse à AFP a analista política Arlene Tickner, da Universidade de Rosario, sobre o atual senador e ferrenho opositor de Santos.O atual presidente foi ministro da Defesa durante o governo de Uribe, que considera Santos um “traidor” por negociar com a guerrilha.
Logo após os colombianos rejeitarem o acordo com as Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (Farc) em plebiscito no domingo, o presidente Juan Manuel Santos convocou todas as forças políticas do país a um diálogo para tentar salvar as negociações de paz.
ONU
O secretário-geral da ONU, Ban Ki-moon, anunciou nesta segunda, em Genebra, que decidiu enviar um emissário especial a Havana para “consultas”, depois do fracasso do referendo.
“Esperávamos um resultado diferente, mas estou encorajado pelo compromisso expressado pelo presidente Juan Manuel Santos e pelo comandante Rodrigo Londoño (Timochenko). Para apoiá-los, enviei urgentemente meu representante especial Jean Arnault a Havana para continuar suas consultas”, anunciou em uma coletiva de imprensa em Genebra.
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