A visita desta terça-feira (2) da presidente da Câmara dos Representantes dos Estados Unidos, Nancy Pelosi, a Taiwan acirrou as tensões entre as duas maiores economias do mundo, uma relação que já estava deteriorada por questões comerciais, pela negativa da China de condenar a Rússia pela invasão à Ucrânia e, é claro, pela própria situação da ilha.
A China vinha realizando diversas incursões no espaço aéreo de Taiwan, que considera uma província rebelde a ser reincorporada até 2049, ano em que se completarão cem anos do fim da guerra civil que terminou com a vitória dos comunistas e a retirada dos nacionalistas para a ilha.
Os Estados Unidos não reconhecem formalmente Taiwan como um Estado independente (aliás, apenas 14 países no mundo o fazem) e são adeptos da política de “uma China só”, mas apoiam Taipei militarmente e têm criticado a retórica agressiva de Pequim contra o governo democrático local.
Em resposta à visita de Pelosi, que classificou como uma “grande provocação política”, a China anunciou manobras militares em cinco áreas ao redor de Taiwan, que envolverão exercícios com munição real e incluirão o fechamento do espaço marítimo e aéreo nesses pontos.
O analista militar Paulo Filho apontou, em entrevista à Gazeta do Povo, que essas medidas são parecidas com as que foram tomadas por Pequim entre 1995 e 96, na Terceira Crise do Estreito de Taiwan.
“Se for só isso, não será muito diferente do que aconteceu naquela época. Mas a retórica da China hoje está mais acirrada, até porque é um país muito mais poderoso do que era na década de 1990”, destacou Filho, que citou pressões internas sofridas pelo ditador Xi Jinping.
“No fim do ano, vai acontecer a convenção do Partido Comunista, em que ele deve conseguir um inédito terceiro mandato. Mas as coisas não estão tão boas para ele quanto em anos anteriores. A política de Covid-zero prejudicou a economia, a China está crescendo muito menos que o previsto e essa política desagradou a população”, destacou o analista.
“Tudo que ele não precisava era uma crise como esta, ainda mais por ele ter falado diretamente com o presidente [americano, Joe] Biden a respeito de consequências sobre Taiwan, o que pode passar para a população chinesa uma impressão de fraqueza. Então, talvez ele queira passar a imagem de um líder forte e escalar um pouco o tom”, acrescentou Filho.
Stephen Collinson, analista da CNN, apontou em artigo publicado no site da emissora que pode ocorrer uma escalada decorrente dessa necessidade do ditador chinês de demonstrar força.
“A suposição em Washington é que Xi não tem mais interesse em um confronto militar direto do que Biden. Mas ele é mais forte do que os líderes chineses anteriores. E há uma tendência fortemente nacionalista dentro das forças armadas chinesas, juntamente com uma crescente confiança em sua capacidade”, apontou Collinson.
“Portanto, fazer suposições sobre como a China responderia à visita de Pelosi com base no comportamento chinês em crises anteriores pode significar que os EUA terão uma surpresa desagradável”, alertou.
Paulo Filho afirmou que acredita que China e Estados Unidos podem recorrer a estratégias como aumento no tom da retórica, medidas diplomáticas (como chamar os respectivos embaixadores de volta ao país) e retaliações comerciais. Mas, neste momento, uma invasão a Taiwan (à qual os EUA prometeram responder prontamente) é muito improvável, na visão do analista.
“Uma operação militar para conquistar Taiwan seria muito complexa, não dá para comparar com a situação da Ucrânia, que é vizinha da Rússia, tem uma fronteira terrestre. Taiwan é uma ilha [o Estreito de Taiwan tem 180 km de largura média], a China precisaria fazer uma operação de desembarque complicadíssima, ter um poderio naval muito forte para fazer um bloqueio naval... hoje, Pequim não tem mecanismos suficientes para esse tipo de operação, ainda mais fazendo face aos Estados Unidos”, justificou.