Por uma ironia histórica, a invasão da Ucrânia suscitou um debate sobre uma possível volta ao cenário internacional de um pária aliado de Moscou: a ditadura de Nicolás Maduro na Venezuela.
Desde o início da guerra deflagrada pela Rússia, Estados Unidos, Reino Unido e União Europeia (UE) anunciaram o bloqueio das importações de combustíveis fósseis do país governado por Vladimir Putin, o que tem gerado especulações sobre a possibilidade do país sul-americano, que possui uma das maiores reservas de petróleo do mundo, se tornar uma alternativa ao produto russo para estancar a alta dos preços.
Na semana passada, o presidente americano, Joe Biden, assinou uma ordem executiva para proibir a importação de petróleo, gás natural liquefeito e carvão russos – no ano passado, a Rússia representou 8% das compras de petróleo dos Estados Unidos.
O Reino Unido informou que também deixará de comprar petróleo russo até o final do ano, enquanto a UE planeja se livrar da dependência do produto da Rússia (que corresponde a 27% das importações petrolíferas do bloco) e de outros combustíveis fósseis do país antes do fim desta década.
Em 5 de março, uma delegação dos Estados Unidos esteve em Caracas e se encontrou com Maduro, no que a Casa Branca disse ser a viagem mais importante à capital venezuelana em mais de duas décadas.
Em meio a rumores de que Biden estudava suspender parte das sanções ao setor petrolífero venezuelano para conter os preços da energia, a Casa Branca não negou que abordou a questão durante a reunião com Maduro, mas desde então vem refutando a possibilidade de voltar a importar petróleo do país sul-americano devido à repercussão negativa.
Os Estados Unidos insistiram que a principal questão discutida com Maduro foi a situação dos dez americanos presos na Venezuela, dois dos quais foram libertados logo após a visita.
Na segunda-feira (14), a porta-voz da Casa Branca, Jen Psaki, afirmou que qualquer plano de importação de petróleo da Venezuela não é algo sobre o qual os Estados Unidos estão “falando ativamente agora”.
“Continuamos conversando com vários produtores sobre a importância de manter o abastecimento global. Não se trata apenas de abastecimento nos Estados Unidos, trata-se de garantir o abastecimento do mercado global e apreciamos nosso relacionamento com a Colômbia”, destacou a porta-voz, numa referência à oferta do presidente da Colômbia, Iván Duque, de fornecer mais petróleo para estabilizar os preços da energia, como alternativa ao produto venezuelano.
Políticos dos dois principais partidos dos Estados Unidos vêm criticando Biden desde que surgiu a especulação de voltar a importar petróleo da Venezuela. “Este regime de Maduro não é um regime legítimo. Não é um regime a ser apoiado. Se você diz que não quer lidar com Putin porque ele é um ditador, então não dê meia volta e vá atrás do Maduro”, afirmou o governador da Flórida, o republicano Ron DeSantis.
O senador democrata Bob Menendez, presidente do Comitê de Relações Exteriores do Senado americano, emitiu um comunicado em que também fez duras críticas ao governo do seu correligionário.
“Se forem verdadeiros os relatos de que o governo Biden está intermediando a compra de petróleo venezuelano, temo que haja o risco de perpetuar uma crise humanitária que desestabilizou a América Latina e o Caribe por uma geração inteira. Nicolás Maduro é um câncer para o nosso hemisfério e não devemos dar nova vida ao seu reinado de tortura e assassinato”, afirmou o parlamentar.
No fim de semana, o ministro das Relações Exteriores venezuelano, Félix Plasencia, se reuniu na Turquia com o alto representante da UE para Relações Exteriores, Josep Borrell, e alegou que, apesar de aliada da Rússia, a Venezuela está disposta a fazer negócios com os Estados Unidos e outros países.
“Fazemos negócios de petróleo com empresas americanas há cem anos. Nunca pedimos que deixassem o país. Espero que respeitem a soberania e a legitimidade do meu país. Se o respeitarem, podemos fazer muito em conjunto no negócio do petróleo”, disse o chanceler.
Empresa americana já faz planos para petróleo da Venezuela
Os rumores sobre a possibilidade dos Estados Unidos voltarem a importar petróleo venezuelano fizeram a empresa americana Chevron começar a montar uma equipe comercial para negociar produto da Venezuela e a traçar planos para expandir seu papel nas quatro joint ventures que compartilha com a estatal venezuelana PDVSA, informou a agência Reuters nesta semana.
Para Gabriele Oliveira, porta-voz do movimento Democracia Sem Fronteiras, uma eventual decisão dos Estados Unidos de derrubar as sanções ao produto venezuelano “validaria para o mundo de maneira implícita que o governo Maduro está apto a fazer negócios com governos democráticos”.
“Desde 2019, o governo Maduro sequer é reconhecido como o governo legítimo da Venezuela pelos americanos [que reconhecem como chefe de estado o opositor Juan Guaidó]. Então, isso causaria estranheza. É claro que é necessário buscar outros mercados e alternativas diante das sanções colocadas contra a Rússia, mas fazer negócios com um país que claramente é aliado da Rússia seria contraditório. E utilizar um governo autoritário, antidemocrático [para esse fim] não seria a melhor saída”, afirmou a porta-voz, que acrescentou que acredita que a ideia não irá adiante devido ao discurso do governo Biden “de prioridade aos direitos humanos e a governos democráticos”.
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