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Crise na Venezuela

Com as cidades assoladas, venezuelanos migram para Caracas

Caracas, capital da Venezuela, tem atraído migrantes com alguma vantagens a seus moradores em comparação com o interior do país
Caracas, capital da Venezuela, tem atraído migrantes com alguma vantagens a seus moradores em comparação com o interior do país (Foto: Adriana Loureiro Fernandez / Bloomberg)

"Caracas é o paraíso." O executivo disse a frase durante o café da manhã na sala de reuniões de seu banco privado na capital venezuelana.

Soou absurdo, fora da realidade e insensível, até para ele, dadas as manchetes sobre a ruína econômica, as crises humanitárias e os extensos apagões de energia. Mas quando Caracas é comparada a outras cidades e vilas, ele pode estar certo.

Ele exibiu relatórios internos que recebeu nos últimos dias de todo o país, sobre a Guarda Nacional cobrando US$ 5 em dinheiro de quem quisesse furar a fila da gasolina em Zulia, o fornecimento escasso de alimentos no estado de Táchira e falhas de energia que mantêm filiais de seu banco fechadas em Lara. No prédio de escritórios onde ele trabalha, o ar-condicionado estava funcionando e todos os andares estavam totalmente iluminados. Até as escadas rolantes estavam funcionando.

Caracas está tendo uma existência privilegiada pelo governo, protegida do sofrimento maior que assola o país enquanto o ditador Nicolás Maduro enfrenta o líder da oposição Juan Guaidó e os mais de 50 países decididos a derrubá-lo para pôr fim a duas décadas de regime socialista que se transformaram em uma depressão catastrófica que já dura seis anos.

Enquanto ondas de pessoas vão para a fronteira para escapar da miséria – 4 milhões deixaram a Venezuela nos últimos anos – outro padrão de migração, embora muito menor, está surgindo. Cientes dos benefícios da capital, pessoas e empresas estão se mudando para lá para recomeçar. As evidências são pontuais por enquanto, mas o fenômeno parece real. Em alguns casos, chefs estão fechando seus restaurantes em cidades como Barquisimeto, Mérida e Maracaibo e reabrindo-os em Caracas.

Agora que o governo essencialmente dolarizou a economia e liberou as importações privadas (depois de negociar com os militares que administram os portos), os suprimentos de alimentos são mais abundantes em Caracas, pelo menos para os poucos sortudos que têm recursos em um país com taxas de pobreza próximas de 90%.

Embora os apagões de março e abril tenham atingido toda a população de cerca de 28 milhões de pessoas no país inteiro, o serviço regular foi em grande parte restaurado em Caracas, enquanto o resto do país continua sujeito a interrupções diárias e a racionamentos de energia caóticos.

Mesmo a gasolina, em falta após as sanções dos EUA, pode ser encontrada mais facilmente na capital. A fila mais longa que vi durante a semana em que visitei foi de cerca de seis carros. De acordo com relatos do interior, os motoristas esperam na fila por 12 horas, até 24 horas, sem garantia de que encontrarão combustível ao chegar à bomba.

Tudo o que falta para mergulhar Caracas de volta ao caos total, é claro, é outra grande falha de energia, e todos os residentes, ricos ou pobres, sabem muito bem disso. Todos eles têm histórias sobre como sobreviveram ao último apagão, que durou entre cinco e dez dias, dependendo do bairro.

Oportunidades

Há um negócio crescente de serviços privados de utilidade pública, pelo menos para quem é rico. Só é preciso gastar uma quantia moderada para comprar um gerador a diesel, convencer outros moradores de prédios a perfurarem um poço de água ou encontrar alguém que lhe venda sinal de internet via satélite.

Para aquele grupo seleto que chega a Caracas carregado de dinheiro, os imóveis podem ser adquiridos com desconto. Uma casa em uma área arborizada no sudeste da cidade poderia custar US$ 230 mil, abaixo do seu preço inicial de US$ 400 mil; um apartamento em uma parte bem protegida e "segura" da capital pode estar disponível por US$ 60 mil. Se você fechar um negócio com o proprietário, no entanto, você ainda pode ter que pagar taxas (tradução: subornos) para registrar a propriedade, elevando o preço final.

O crime caiu, de acordo com amigos, conhecidos e empresários que conheci. Todos eles bateram na madeira – literalmente – ao contar essa novidade. (Ninguém sabe exatamente por quê; as teorias incluem o preço exorbitante de armas e munição e a possibilidade de que muitos criminosos já tenham emigrado.) A maioria dos caraqueños é muito mais cautelosa hoje em dia com as forças de segurança repressivas de Maduro do que com os criminosos comuns.

Paraíso? Claro que não. Mas se você estiver na Venezuela por pura lealdade nacionalista ou não puder se dar ao luxo de recomeçar no exterior, não há lugar melhor. Pode ser assim por um tempo. Enquanto Maduro se agarra ao poder, ele sabe que se ele perder Caracas, vai perder tudo.

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