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Terrorismo global

Com atentado na Rússia, ameaças na França e prisões na Alemanha, Estado Islâmico volta a assombrar o mundo

O Crocus City Hall em chamas após o ataque terrorista de sexta-feira em Moscou (Foto: EFE/Maxim Shipenkov)

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O brutal ataque terrorista ocorrido na última sexta-feira (22) em Moscou, capital da Rússia, que culminou no massacre de 143 pessoas, chocou o mundo.

O ataque, que deixou também 182 pessoas feridas e mais de 90 desaparecidas até o momento, foi perpetrado no Crocus City Hall, uma casa de shows localizada na periferia da capital russa, e teve sua autoria reivindicada pelo Estado Islâmico do Khorasan – ou ISIS-K, na sigla em inglês, uma ramificação nascida em 2015 do grupo terrorista Estado Islâmico (EI) que atua, com uma força menor, no Oriente Médio.

O EI foi combatido e praticamente derrotado por forças internacionais em 2019, mas, ao que tudo indica, por meio de suas células terroristas espalhadas mundialmente, como o ISIS-K, o grupo pode estar novamente se preparando para assombrar a comunidade internacional.

Imagens do desespero das pessoas e da brutalidade dos terroristas assassinos que perpetraram a crueldade em Moscou trouxeram novamente à memória da população mundial o medo e a angustia que os terroristas do EI causaram quando realizaram os terríveis massacres na Europa em 2015, principalmente na França.

Os responsáveis pelo ataque em Moscou já estão quase todos presos pelas autoridades locais. Até o momento, 11 indivíduos com conexões com o atentado foram capturados, entre eles os atiradores.

Alisher Kasimov foi preso e identificado como um dos suspeitos de ter participado do atentado de sexta (Foto: EFE/EPA/SERVIÇO DE IMPRENSA DO TRIBUNAL DISTRITAL DE BASMANNY)

Em uma análise feita para ao site do think tank Council on Foreign Relations (CFR), Bruce Hoffman, especialista em contraterrorismo, destacou que o ataque em Moscou serve como um "lembrete" da capacidade letal do EI e demonstra sua nova habilidade de se reorganizar e se infiltrar em países poderosos.

Hoffman afirma que o EI já realizou “mais de meia dúzia de ataques na Rússia desde 2016” e que os terroristas há muito tempo consideram o país de Vladimir Putin “tão inimigo do povo muçulmano quanto os Estados Unidos”.

Na análise realizada, o especialista destacou que a presença de russos nas fileiras do ISIS-K desde 2017 pode ter contribuído para a capacidade operacional do grupo na Rússia. Esses indivíduos poderiam ter instruído novos recrutas com informações detalhadas sobre alvos vulneráveis no país. Segundo Hoffman, atualmente a ramificação terrorista do EI que assumiu a responsabilidade pelo ataque em Moscou pode ter cerca de 6 mil homens em seu braço armado.

Em entrevista à Gazeta do Povo, Ricardo Caichiolo, professor de Relações Internacionais do Ibmec de Brasília, disse que a Rússia continua a ser um “alvo preferencial” dos terroristas do EI.

O professor aponta que o ISIS-K, a ramificação do grupo terrorista, “guarda um sentimento de vingança por conta da política externa russa levada à frente nas últimas décadas”.

“Podemos destacar a invasão da antiga URSS [União Soviética] no Afeganistão, a atuação russa na Chechênia – cuja população é majoritariamente muçulmana - para sufocar as demandas pela independência, e o apoio russo dado ao regime do presidente sírio, Bashar al-Assad. Convém recordar que em setembro de 2022, o ISIS-K assumiu a responsabilidade por um ataque a bomba em frente à embaixada da Rússia em Cabul [capital do Afeganistão], que matou dois funcionários e outras três pessoas. Tal fato deixa claro que a Rússia, seus nacionais e representações diplomáticas permanecerão sendo alvos importantes para o grupo terrorista”, afirma Caichiolo.

Greg Barton, especialista em Política Islâmica Global da Universidade Deakin, na Austrália, escreveu uma análise ao site The Conversation, onde observa que o ataque em Moscou representa um sinal alarmante de que tanto o EI quanto a al-Qaeda estão retomando sua campanha terrorista internacional.

“O ataque de sexta-feira à noite em Moscou foi um pesadelo, mas infelizmente o horror provavelmente está apenas começando”, disse o especialista.

Segundo Barton, tanto o ISIS-K quanto a al-Qaeda estão se fortalecendo sob o regime do Talibã no Afeganistão.

“O ISIS-K enfrentou uma pressão tremenda das Forças Especiais Afegãs e das tropas americanas antes da retirada total dos Estados Unidos do país em 2021. Embora essa pressão tenha continuado sob o domínio Talibã, o ISIS-K cresceu com força nos últimos anos, com a ascensão de milhares de combatentes, que agora estão operando em quase todas as 34 províncias do Afeganistão”, disse Barton.

Para o especialista, “o ataque de sexta-feira é um lembrete claro de que não devemos desviar o olhar e continuar a lavar as mãos para qualquer tentativa de melhorar as coisas no Afeganistão”. Ele adverte que que o crescimento contínuo tanto do ISIS-K quanto da al-Qaeda no Afeganistão deveria "nos preocupar muito mais do que temos admitido" e acrescenta que “não há respostas fáceis [sobre como impedir o crescimento de ambos os grupos], mas virar as costas e não fazer nada só piorará a situação”.

Já o professor Caichiolo argumenta que o ataque na Rússia não necessariamente indica um ressurgimento do grupo terrorista sunita como uma ameaça internacional, mas sim reafirma sua contínua presença ameaçadora, que persiste ao longo do tempo, afetando uma gama de países e regiões de forma constante.

“De fato o Estado Islâmico recrudesceu comparativamente do que era há pouco menos de uma década, quando então se aproveitou da guerra civil em curso na Síria para criar o seu próprio Estado no meio do Iraque e da Síria. Entretanto, ainda que os ataques assumidos pelo grupo tenham diminuído em termos numéricos, eles continuam ocorrendo em patamares altos. Conforme relatório publicado pelo The Washington Institute for Near East Policy, desde março do ano passado para cá o Estado Islâmico assumiu a responsabilidade por 1.121 ataques, que mataram ou feriram cerca de 4.770 pessoas”, disse.

Dias antes do ataque em Moscou, a Alemanha já havia anunciado a prisão de dois afegãos suspeitos de planejar um atentado contra o Parlamento sueco. Ambos os indivíduos, identificados pelas autoridades alemãs como um membro do EI e um apoiador, estavam recebendo instruções do grupo terrorista e coletando dinheiro para realizar o ataque, que seria uma “resposta” do EI contra a queima dos alcorões que ocorreram no país escandinavo.

Segundo informações da agência Associated Press (AP), o porta-voz do Ministério do Interior da Alemanha, Cornelius Funke, disse logo após o ataque na Rússia que ameaça dos extremistas islâmicos no país continuava “aguda”.

Na França, o alerta de terrorismo foi elevado ao nível máximo dias após o ataque em Moscou. O primeiro-ministro francês, Gabriel Attal, anunciou a medida no domingo (24), destacando a gravidade das ameaças terroristas que pesam sobre o país, que já sofreu com o EI em 2015.

O presidente Emmanuel Macron chegou a revelar que o ISIS-K já tentou realizar “vários” ataques na França. O planoVigipirate, um instrumento de vigilância e prevenção máxima contra o terrorismo, foi acionado em sua forma mais intensa no país, que realizará a partir de julho os Jogos Olímpicos.

Em sua análise ao The Conversation, Barton destacou que as autoridades europeias já prenderam diversos terroristas do ISIS-K em várias ocasiões. Na sua visão, o ataque em Moscou evidencia a “imediata e substancial ameaça representada pelo grupo”, após anos de alertas sobre sua capacidade de retomar uma campanha terrorista internacional.

“Se o ISIS-K for realmente responsável pelo ataque em Moscou, devemos nos preparar para mais tentativas de ataques - não apenas na Rússia, mas em toda a Europa”, escreveu Barton.

Além da França, a Itália também intensificou nos últimos dias verificações de segurança, principalmente nos ambientes que estão sendo frequentados durante essa Semana Santa.

Na Sérvia, segundo informações da AP, policiais disfarçados foram vistos realizando patrulhas nas ruas de Belgrado, a capital do país, alguns deles com metralhadoras. Já no Reino Unido, o parlamentar do Partido Conservador Jeremy Hunt disse que o país tem que estar nesse momento “absolutamente” preocupado com o eventual retorno do EI, enfatizando a necessidade de uma atenta vigilância contra a ameaça que o grupo terrorista representa.

“O atentado em Moscou deve ser compreendido como um novo aviso de que estamos nos estágios iniciais de um novo paradigma terrorista que ameaça a Europa e provavelmente estará ligado à figura do ISIS-K como o ator terrorista mais influente, capaz de coordenar e realizar ações terroristas sofisticadas e bem direcionadas que atualmente superam até mesmo a capacidade da al-Qaeda ou da estrutura central do Estado Islâmico”, cita um trecho do artigo da organização Observatório Internacional sobre Estudos do Terrorismo (OIET).

Poder de reorganização e domínio no norte da África

O professor Caichiolo aponta que, com a intensificação das ações de combate contra o EI entre 2014 e 2017 no Iraque e Síria, “seus membros se reorganizaram e se instalaram em outras regiões e países”. Esse processo pode indicar que a capacidade de dispersão territorial é uma das características marcantes do EI.

Caichiolo citou o estabelecimento da ramificação ISIS-K no Afeganistão como um exemplo desse processo de reorganização do grupo terrorista sunita, afirmando que é de dentro do país comandado pelos talibãs que ele tem planejado seus ataques.

Apesar desse fato, Caichiolo lembrou que o ISIS-K ainda enfrenta uma resistência dos talibãs, que consideram o EI como um rival.

Amira Jadoon, especialista em terrorismo na Academia Militar de West Point nos EUA, e Andrew Mines, pesquisador associado ao Programa de Extremismo da Universidade George Washington, afirmam em um artigo de 2021 do The Conversation, que a disputa entre o Talibã e ISIS-K ocorre porque a ramificação do EI “vê o talibã como seus rivais estratégicos” e rotula o grupo que controla o Afeganistão “como ‘nacionalistas sujos’ com ambições apenas de formar um governo restrito às fronteiras do Afeganistão”, o que, segundo afirmam os especialistas, “contradiz o objetivo do Estado Islâmico de estabelecer um califado global”.

Segundo o professor Caichiolo, além de estar se espalhando dentro do Afeganistão, o EI e suas ramificações terroristas estão conseguindo se estabelecer com força no norte da África.

Neste momento, o continente africano, de acordo com o Caichiolo, “abriga uma significativa parte dos integrantes do EI, com uma forte propaganda estabelecida na África Subsaariana”.

Caichiolo disse que “a atividade de recrutamento” do grupo terrorista é “particularmente ativa” e alcança países como Nigéria, República Democrática do Congo e Moçambique.

“A África é o local onde ocorrem quase metade das mortes globais por terrorismo, porém tais ocorrências não alcançam repercussão midiática, se compararmos ao destaque dado ao ataque recentemente ocorrido na casa de shows em Moscou. O Estado Islâmico assombra não somente pelos ataques terroristas, mas também pelo avanço do controle territorial em algumas regiões onde eles estão estabelecendo suas ‘províncias’. Situação preocupante nesse sentido está ocorrendo em regiões do Mali, Moçambique e Somália”, disse o professor.

Caichiolo explica que o EI também consegue atrair estrangeiros de diversas nações, “incluindo China, Arábia Saudita e países ocidentais”, destacando que eles também fazem uso de redes de propaganda específicas, que incluem até mesmo o uso de línguas regionais como a tadjique, particularmente falada na Ásia Central, que serve exatamente para se comunicar e recrutar indivíduos que residem em países dessa região.

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