Os recentes ataques de Israel contra a rede de influência regional do Irã, conhecida como Eixo da Resistência, ampliaram a retórica em defesa do uso de armas nucleares dentro do regime de Teerã, que levou duros golpes nos últimos meses com a morte dos dois principais líderes do Hamas, Ismail Haniya e Yahya Sinwar, e do número um do Hezbollah, Hassan Nasrallah.
Essa ameaça não é uma novidade no discurso do país persa, estando presente por décadas em sua estratégia de dissuasão, tanto para demonstrar poder entre os aliados, como o Hezbollah, Hamas e outras facções terroristas, mas também para dissuadir qualquer chance de confronto militar direto com seus principais adversários - Israel e EUA.
Apesar de evitar a escalada da guerra regional por anos - mesmo quando atribuíram a Israel responsabilidade de ataque contra seus aliados na Síria e até mesmo contra cientistas envolvidos com o programa nuclear - o Irã recentemente mostrou parte de seu arsenal bélico ao lançar dois ataques diretos contra Tel Aviv nos últimos seis meses.
Essa mudança repentina de posicionamento pode indicar também que Teerã está disposto a usar estratégias mais duras contra Israel e seus parceiros ocidentais, inclusive no desenvolvimento e adoção de armas nucleares para uma possível retaliação de um ataque esperado por parte de Tel Aviv.
Para Roberto Uebel, professor de Relações Internacionais da faculdade ESPM, a falta de transparência do Irã com seu programa de enriquecimento de Urânio é usada como barganha para ameaçar e desestabilizar a região do Oriente Médio.
"Eles tentam vender a ideia para os demais países de que têm um programa nuclear de fato, mas até o momento só vemos tentativas frustradas de atacar Israel. Primeiro, em abril, com os ataques de drones, e recentemente com mísseis, mas ambos foram frustrados pelo sistema de defesa de Israel. Eu vejo que essa ameaça do Irã é muito mais uma narrativa do que algo de fato que possa ser utilizado por eles".
O professor de Relações Internacionais do Ibmec Brasília Ricardo Caichiolo acrescenta que, apesar do efeito dissuasivo, o programa nuclear de Teerã está sendo levado muito a sério por uma gama de países.
"O programa é objeto de acompanhamento por meio de um acordo de 2015 entre o Irã, Reino Unido, China, França, Rússia, Alemanha e EUA. Trata-se do Plano de Ação Integral Conjunto, que visa limitar o programa nuclear iraniano em troca de alívio de sanções impostas ao país", explicou.
Apesar da existência dessa vigilância externa, o regime de Teerã defende que seu programa é "pacífico" e que não possui intenção de desenvolver armas nucleares. Mas, segundo Caichiolo, "há informações de que o país teria elevado seu estoque de urânio em pelo menos 30 vezes acima do nível permitido, bem como teria aumentado suas atividades de enriquecimento para 60%, além de ter retomado as atividades em instalações nucleares que tinham sido proibidas pelos termos do acordo". O Irã também impediu a Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA) de monitorar o plano nuclear do país há mais de três anos.
Para o professor Uebel, um possível uso de armas nucleares pelo Irã seria capaz de trazer novos atores para a guerra regional. "Na hipótese do Irã ter ogivas nucleares - não temos como provar isso - e usá-las contra Israel, certamente teríamos uma guerra de proporções internacionais no Oriente Médio, com a participação dos EUA, países da União Europeia, Rússia, China, porque estamos falando em um conflito de ordem nuclear, que pode afetar a segurança de todo o sistema internacional".
O professor relembra que Israel já atacou instalações de pesquisa e enriquecimento de Urânio do Irã no passado, mas as respostas de Teerã sempre foram com seus "braços terroristas", integrantes do Eixo da Resistência, como o Hamas e o Hezbollah, que estão próximos à fronteira com Israel, mas sofreram importantes baixas nos últimos meses.
Caichiolo avalia que, diante do aumento de tensões entre Israel e Irã, os EUA devem exercer um papel fundamental para amansar os lados. "Eles [EUA] devem se tornar mais relevantes nesse momento, sobretudo pela sua posição recentemente manifestada de não apoiar um ataque israelense às instalações nucleares do Irã, como eventual resposta aos ataques de mísseis iranianos", observou o professor.
Na visão de Uebel, Tel Aviv ainda está em um "momento de espera", avaliando a melhor forma de responder ao ataque direto com mísseis de 1º de outubro. "Israel tem buscado minar ainda mais a influência regional do Irã no Oriente Médio. Vimos isso primeiro com o plano de destruição dos braços do Irã, o Hamas e o Hezbollah - os Houthis devem ser o próximos alvos. Podemos ver uma escalada das tensões nessa próxima fase, já que a Arábia Saudita está na fronteira com o Iêmen".