A situação econômica na Argentina é tão caótica (a inflação chegou a 78,5% no acumulado em 12 meses em agosto) que mesmo as boas notícias trazem consigo um motivo de preocupação.
Em setembro, o Instituto Nacional de Estatística e Censos (Indec) divulgou que o país atingiu no segundo trimestre uma taxa de desemprego de 6,9%, a menor em sete anos – um ano antes, o patamar estava em 9,6%.
O aspecto preocupante, entretanto, é que o emprego na Argentina está crescendo graças à informalidade, com salários mais baixos e na qual não há descontos para a seguridade social.
Segundo o balanço do Indec, o trabalho assalariado correspondia a 73,5% da ocupação no país ao final do segundo trimestre deste ano. Entre esses trabalhadores, 62,2% estavam contratados formalmente e 37,8% de maneira informal. No segundo trimestre de 2021, a proporção era de respectivamente 68,5% e 31,5%.
Ou seja: o desemprego na Argentina está diminuindo à custa do trabalho formal. “O emprego gerado tem sido totalmente informal. A taxa de informalidade dos assalariados chegou a 37,8%, e a isso deve-se somar os autônomos informais. Tudo isso faz com que a qualidade do emprego seja deixada de lado”, afirmou Anabel Chiara, coordenadora do Observatório do Emprego da Subsecretaria do Trabalho.
“É importante também que o trabalho deixe de ser informal devido ao regime de repartição das aposentadorias que vêm da arrecadação do imposto sobre o trabalho. Com menos gente contribuindo, gera-se um problema dentro do sistema”, acrescentou Chiara, que pediu “incentivos” para que o crescimento econômico argentino (de 6,5% no primeiro semestre deste ano) seja ancorado no emprego formal.
Entretanto, para o advogado e professor da Universidade de Buenos Aires Flavio Gonzalez, a instabilidade histórica da Argentina dificulta a formalização da mão de obra mesmo num cenário de crescimento econômico.
“A incerteza é um fator, agora melhorou um pouco a atividade [econômica], mas amanhã pode cair. Frente a essa contingência, o que pode fazer um empresário, um empregador? Aqui, começam os problemas”, afirmou, em entrevista à Gazeta do Povo.
“Na Argentina, temos um sistema trabalhista muito rígido, então, quando uma pessoa é despedida, deve-se pagar uma indenização que consiste de um mês [de salário] por cada ano trabalhado, além de aviso prévio, multas e juros altos, em caso de indenizações obtidas através de sentenças judiciais”, explicou Gonzalez, que citou ainda a pesada tributação sobre a mão de obra formal: os empregadores devem pagar 24% sobre o salário do funcionário para seguridade social.
“As empresas grandes registram seus empregados, porque podem enfrentar todos esses riscos e essas despesas, mas para uma empresa pequena custa muito enfrentar as consequências de uma ação judicial ou o custo mensal dos impostos que os empresários têm que pagar”, detalhou. “Num cenário de incerteza, as empresas pequenas não se animam a contratar empregados de forma registrada.”
Um relatório do mês passado do Centro de Estudos Metropolitanos (CEM) apontou que 95% dos trabalhadores assalariados informais e 92% dos autônomos precários da Argentina têm ganhos abaixo da linha da pobreza.
“Isso ocorre em um contexto de baixa renda e declínio geral do poder de compra dos trabalhadores nos últimos anos, principalmente a partir da crise de 2018 e agravado pela pandemia”, destacou o relatório do CEM.
“O aprofundamento da espiral inflacionária nos últimos meses atinge principalmente os trabalhadores desses segmentos, que, por não serem abrangidos pela legislação trabalhista e por não serem sindicalizados, carecem de mecanismos efetivos para canalizar suas reivindicações”, acrescentou.