A China anunciou em janeiro que a taxa de natalidade do país, que já vinha em declínio, atingiu em 2021 seu patamar mais baixo. Foram 10,62 milhões de nascimentos no ano passado, o que representou apenas 7,5 nascimentos por mil pessoas, o menor nível desde a fundação da República Popular da China, em 1949.
O governo chinês tem tentado reverter essa tendência: a política do filho único, implantada em 1980, foi abolida em 2015, quando se passou a permitir que casais tivessem duas crianças; em 2021, até três filhos passaram a ser admitidos e depois esse limite foi extinto. Outra ação tem sido o fechamento de clínicas de aborto.
Segundo reportagem do Wall Street Journal, desde 1991, o número de abortos realizados na China caiu de 14 milhões por ano para menos de 9 milhões (dado de 2020), e o número de centros de planejamento familiar, onde são realizados abortos, esterilizações e inserções de dispositivos intrauterinos, caiu para 2.810 no ano retrasado, o que representava menos de 10% dos estabelecimentos desse tipo que havia no país em 2014.
Entretanto, essa estratégia parece encontrar dois obstáculos. Em primeiro lugar, o direcionamento de décadas para a realização de abortos parece ter aumentado a infertilidade média na China: uma pesquisa da Universidade de Pequim apontou que o problema afeta cerca de 18% dos casais chineses em idade reprodutiva, enquanto a média global é de 15%.
Ayo Wahlberg, antropóloga da Universidade de Copenhague que pesquisou sobre a fertilidade na China, explicou ao Journal que abortos múltiplos podem gerar consequências para os corpos das mulheres, uma delas a infertilidade.
“Para mim, o que é incrível é que depois de tantos anos de restrições [a nascimentos], talvez as clínicas de fertilização se tornem mais importantes que as de aborto [na China]”, considerou Wahlberg.
Outra questão a ser revertida é que décadas de política de filho único criaram uma geração que não identifica casar e ter filhos como uma prioridade.
Ning Jizhe, chefe do Escritório Nacional de Estatísticas, disse à mídia estatal em janeiro que o declínio nas taxas de nascimentos resultou de fatores como “uma diminuição no número de mulheres em idade fértil, um declínio contínuo na fertilidade, mudanças nas atitudes em relação à gravidez e postergação do casamento pelos jovens”, o que foi acentuado pela pandemia.
Em artigo recente publicado no site da Family Research Council, a diretora-assistente Arielle Del Turco destacou que o regime chinês se preocupa com a taxa de natalidade em queda pelos mesmos motivos pelos quais implantou a política do filho único em 1980: questões econômicas.
“Os principais meios de comunicação abordam a possibilidade de redução da população da China principalmente como um obstáculo preocupante para a economia dessa potência em ascensão. Com razão. A China tem uma população envelhecida e menos trabalhadores jovens para sustentar os idosos”, afirmou.
Nesse sentido, é uma ironia trágica um estudo encomendado pelo Tribunal Uigur, que apontou que as ações implementadas pelo regime chinês para reduzir a população muçulmana em Xinjiang (que a corte classificou como genocídio) geraram uma redução da projeção do crescimento populacional da etnia uigur de 2,6 milhões a 4,6 milhões de pessoas, ou entre 20 e 34% dos uigures que estariam vivos na região em 2040.
“Se os líderes chineses realmente querem aumentar a taxa de natalidade, um bom primeiro passo é parar de cometer genocídio”, ironizou Del Turco.
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