O chefe de Governo da Espanha, o conservador Mariano Rajoy, começou a enfrentar nesta segunda-feira (21) uma missão que parece impossível: tentar formar um governo depois da vitória nas eleições legislativas, mas sem maioria em Parlamento fragmentado, com a esquerda disposta a fechar as possibilidades.
“Confusão geral” e “Governo no ar” eram algumas das manchetes da imprensa espanhola, enquanto a Bolsa de Madri despencava, com todos seus valores em vermelho, para fechar em baixa de 3,62%.
A habitual estabilidade do sistema político espanhol, baseada desde 1982 na alternância de poder entre o Partido Popular (PP), de Rajoy, e o Partido Socialista (PSOE), ficou muito abalada com a entrada em cena de dois novos partidos -- Podemos, de esquerda radical, e o ‘Ciudadanos’, de centro-direita -- impulsionados pela indignação dos espanhóis diante da austeridade e da corrupção.
Sem a ampla maioria absoluta, da qual desfrutava desde 2011, e com somente 123 deputados em uma Câmara de 350, Rajoy assegurou que tentará formar um governo, mas seus adversários de esquerda deixaram claro que o impedirão.
A esquerda diz ‘não’
“O PSOE vai votar ‘não’ ao PP e a Rajoy”, assegurou em coletiva de imprensa o número dois socialista César Luena, cujo partido obteve 90 deputados.
“Nem de maneira ativa, nem de maneira passiva, o Podemos vai permitir o governo do Partido Popular, não com os votos a favor, nem com abstenções”, disse o líder do Podemos, Pablo Iglesias, que surpreendeu ao conquistar 69 cadeiras no Parlamento menos de dois anos depois da fundação de seu partido.
Somente o líder do Ciudadanos, Albert Rivera, se mostrou disposto a ceder para permitir a governabilidade da quarta economia da Eurozona com a abstenção de seus 40 deputados: “o que precisamos é (...) um governo em minoria que terá que ter jogo de cintura suficiente para aceitar reformas”.
Infelizmente, para Rajoy, matemática não basta.
O panorama é, portanto, mais que incerto. Em 13 de janeiro deve ser formado o novo Parlamento, após o qual o rei Felipe VI se reunirá com os representantes dos partidos para designar o candidato com mais opções de formar um governo.
Este deve ser investido por maioria absoluta em primeiro turno ou, se não for possível, por maioria simples depois. A oposição do PSOE e do Podemos, mais a abstenção do Ciudadanos impediriam o triunfo de Rajoy nos dois casos.
Se dois meses mais tarde, nenhum candidato conseguir formar governo deverão ser convocadas novas eleições para tentar tirar o país de uma instabilidade preocupante para seus sócios europeus.
“Corresponde às autoridades espanholas ver como a Espanha conseguirá dotar-se de um governo estável, que possa desempenhar seu papel na Europa”, afirmou em Bruxelas o presidente da Comissão Europeia, Jean-Claude Juncker.
Separatistas catalães e bascos
”Nossa mensagem à Europa é muito clara: soberania é a principal palavra para nós organizarmos nosso sistema político”, pareceu responder-lhe Iglesias durante coletiva de imprensa em Madri.
O líder do Podemos detalhou uma lista de reformas que serão apresentadas aos outros partidos, em particular ao PSOE, como condição prévia para negociar a eventual formação de uma grande aliança que expulse o PP do poder.
Tal coalizão necessitaria obrigatoriamente do apoio de ao menos uma parte dos nacionalistas e independentistas catalães e bascos, que somam 25 deputados.
“Agora é preciso calma, agora é preciso reflexão”, afirmou Iglesias. Se as outras formações aceitarem o plano do Podemos, “chegaremos a um novo cenário que no qual poderá se falar de muitas coisas”, completou.
O Podemos exige, entre outras coisa, que seja reconhecida a “plurinacionalidade” de um país onde os independentistas catalães ameaçam avançar com a secessão e os bascos reclamam mais autogoverno.
E insistiu na necessidade de respeitar sua soberania permitindo referendos de autodeterminação, algo que fora do círculo independentista só defende seu partido.
“A governabilidade fica muito afetada”, declara a cientista política Berta Barbet, professora da Universidade de Barcelona e editora do site de análise Politikon. “Os equilíbrio serão muito complicados”.
E Fernando Vallespín, catedrático de ciência política da Universidade Autônoma de Madri, completa: “se vislumbra uma legislatura curta”.