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Num período em que se completam 30 anos do fim da União Soviética, o presidente da Rússia, Vladimir Putin, acumula tentativas de expandir o raio de influência de Moscou sobre ex-repúblicas soviéticas.
Este mês, o envio de “forças de paz” ao Cazaquistão e as tratativas (por enquanto sem progressos – e com a ameaça de envio de militares russos para Cuba e Venezuela) com as potências ocidentais sobre a crise da concentração de tropas russas na fronteira com a Ucrânia foram os desdobramentos mais recentes de uma política de “flexionar músculos na direção de estados vizinhos”, conforme descreveu o New York Times.
Que não é nova, já que antes ocorreram a Guerra Russo-Georgiana de 2008, a anexação da península da Crimeia e o apoio aos movimentos separatistas na região de Donbass (conflito ainda em andamento), deflagrados na Ucrânia em 2014.
Mas nos últimos dois anos, por planejamento ou oportunismo, os esforços de Putin na direção de ex-repúblicas soviéticas se tornaram mais comuns.
Ele apoiou o ditador Aleksander Lukashenko quando este reprimiu uma onda de protestos em Belarus e enviou “forças de paz” para garantir um cessar-fogo após disputa territorial entre Armênia e Azerbaijão (acordo assinado por esses países e por Putin), e a Gazprom, estatal russa de gás natural, sugeriu que o governo pró-europeu da Moldávia deveria abandonar um acordo de livre comércio com a União Europeia e interromper a liberalização do mercado de gás em troca de preços mais baixos do combustível em um novo contrato de longo prazo com a empresa.
No passo mais ousado dessa série de ações, desde o ano passado a Rússia concentra mais de 100 mil soldados na fronteira com a Ucrânia sob a alegação de evitar que Kiev entre na Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan), a aliança militar do Ocidente.
Para reprimir manifestações no Cazaquistão que a princípio eram relativas ao preço do gás natural e depois passaram a abranger a necessidade de mudanças no país, a Organização do Tratado de Segurança Coletiva (OTSC) enviou 2,5 mil soldados na semana passada.
A OTSC, aliança militar entre Rússia, Belarus, Armênia, Quirguistão, Tajiquistão e Cazaquistão, todos ex-repúblicas soviéticas, agiu pela primeira vez invocada pelo artigo 4 do Tratado de Segurança Coletiva, que prevê que um ataque armado a um estado-membro é um ataque ao bloco todo (o presidente Kasim-Yomart Tokayev qualificou os manifestantes como “terroristas”).
A retirada das tropas da OTSC do Cazaquistão começou na última quinta-feira (13), mas, para alguns analistas, uma porta importante já foi escancarada.
“Foi apresentada uma crise repentina à Rússia que agora ela busca transformar em oportunidade. É interessante que a OTSC tenha sido invocada e na minha opinião é uma boa jogada [para Moscou]”, escreveu no Twitter Maxim Suchkov, diretor interino do Instituto de Estudos Internacionais do Instituto Estatal de Relações Internacionais de Moscou.
“[A ação no Cazaquistão] fica marcada como um esforço coletivo da Eurásia, não um capricho da Rússia, dá mais legitimidade às ações para estabilizar o Cazaquistão e reforça a posição da Rússia no Cazaquistão e na Eurásia, demonstrando mais uma vez que não há outro estado na Eurásia além da Rússia para cuidar da segurança de seus vizinhos em caso de extrema necessidade”, acrescentou.
Entretanto, para Oksana Antonenko, diretora de análise de risco global da consultoria britânica Control Risks e membro de política global do Kennan Institute, Putin corre o risco de apostar alto demais.
“Com as operações militares no sul do Cáucaso, Belarus e agora no Cazaquistão, bem como a contínua ameaça militar à Ucrânia, a Rússia está claramente reforçando o seu domínio sobre o espaço pós-soviético à custa do agravamento das relações com o Ocidente, a China [aliada que tem seus próprios interesses na região – por exemplo, compra mais da metade do urânio exportado pelo Cazaquistão] e as populações de seu antigo império [que enxergam Moscou como apoiadora de regimes autoritários]”, apontou, em artigo publicado no site Politico.
“E mesmo que evite seguir o destino de Belarus, o afastamento do Cazaquistão do Ocidente não será revertido nos próximos anos”, acrescentou Antonenko.
Na crise da Ucrânia, “exigências intencionalmente inaceitáveis”
Na Ucrânia, a Rússia alega que a concentração de tropas na fronteira tem apenas o objetivo de autodefesa. Nas negociações com Estados Unidos e países europeus desta semana, Moscou reiterou exigências como veto a uma possível entrada da Ucrânia na Otan, que não haja expansão da aliança e que atividades militares da organização não sejam realizadas em países do antigo bloco comunista, que entraram na Otan a partir de 1997 – entre eles, três ex-repúblicas soviéticas, Estônia, Letônia e Lituânia.
Para Anatoliy Tkach, encarregado de negócios da Embaixada da Ucrânia no Brasil, a Rússia faz “exigências intencionalmente inaceitáveis” enquanto “mantém a Crimeia como refém e luta em Donbass, os serviços especiais russos minam a segurança nas fronteiras de Belarus com a Polônia e a Lituânia, e o abastecimento de gás vira um instrumento de política externa”.
“O Ocidente coletivo não concordará em dar à Rússia ‘garantias legais’ de não expansão da Otan para o leste, pois isso seria uma derrota estratégica. As exigências da Rússia de assim chamadas ‘garantias de segurança’ são ilegítimas e inaceitáveis. A Rússia não tem direito de decidir o nosso futuro, nem de interferir nas nossas relações com a Otan, a União Europeia e os países parceiros”, disse Tkach, em entrevista à Gazeta do Povo.
Ele destacou que está sendo preparado um “pacote abrangente de dissuasão que contém sanções econômicas dolorosas à economia russa, bem como apoio de defesa à Ucrânia”, e que Kiev apoia uma maior presença da Otan na Europa Oriental e na região do Mar Negro.
“Isso pode incluir, por exemplo, a intensificação da presença naval rotativa da Otan no Mar Negro, com o objetivo de apoiar a liberdade de navegação e facilitar as rotas comerciais, ou o estabelecimento do hub leste da Otan, seguindo o exemplo do hub da aliança na Itália”, explicou.
Tkach apontou que, no contexto das intervenções russas em países vizinhos, Kiev acompanha com atenção os passos seguintes à ação da OTSC no Cazaquistão. “As tropas estrangeiras devem respeitar a independência, a soberania e a legislação nacional do Cazaquistão e o direito internacional, e sua permanência não deve se estender além do período de tempo limitado declarado”, enfatizou.