A Corte Constitucional do Equador autorizou nesta semana o presidente Rafael Correa a convocar referendo para reformar o Judiciário do país. Nos planos de Correa estão a mudança do órgão regulador da justiça, o endurecimento de normas penais, a obtenção de maior controle sobre os meios de comunicação e outros temas de conteúdo similar. Ao mesmo tempo, o referendo apurará o que a população equatoriana pensa sobre temas aparentemente bem mais amenos, como a proibição de jogos de azar e de espetáculos públicos que envolvam morte de animais.
Entre as várias questões que envolvem a análise da convocação do referendo por Correa, uma perpassa a mente de especialistas relacionados aos movimentos políticos na América Latina: por que convocar um referendo, já que há outros meios para que Correa faça valer sua vontade?
Para Egon Bockmann Moreira, professor de Direito Constitucional da Universidade Federal do Paraná (UFPR), a resposta é evidente: "A instituição ou convocação de um referendo é uma estratégia utilizada quando o poder político quer se valer da popularidade para referendar temas difíceis. Ao invés de correr o procedimento por vias normais como a aprovação por meio do Legislativo ou a eleição de uma assembleia específica o referendo implica a alternativa binária para o eleitor", avalia Bockmann. Para o professor, nesses casos, o eleitor normalmente tende a adotar uma postura mais populista. "Ele não faz uma escolha refletida, mas sim impulsionada pelo calor do momento", completa.
Quando o assunto é populismo e popularidade, o presidente do Equador se vê muito bem. Atualmente sua popularidade beira os 60%, o que representa um crescimento significativo, já que no início de 2009 a aceitação de seu governo pela população se aproximava dos 40%. No quesito populismo, especialistas apontam como o momento-chave aquele em que Correa se aliou ao presidente venezuelano Hugo Chávez, época da bonança petrolífera. E agora, anos depois, esse clima parece acompanhá-lo também em outros quesitos.
Para os críticos do governo esquerdista de Correa, a iniciativa de reformas no Judiciário, se aprovada, também dará ao presidente o controle político sobre a seleção de juízes. Assim como outros analistas, Rafael Pons Reis, professor do curso de Relações Internacionais da Facinter e do UniCuritiba, acredita que há interesses escusos sob a intenção de referendo proposto por Correa. "A proposta de Correa é uma tentativa clara de calar as vozes dissonantes a seu governo", afirma Pons Reis.
Vale lembrar que o presidente Rafael Correa sofreu uma tentativa de golpe em setembro do ano passado. "Eu vejo a proposta de referendo como uma manobra política com o objetivo de explorar sua popularidade, seu poder de influência frente à população, em grande parte pelos fatos ocorridos em setembro passado", dispara Pons Reis. "Logo, não dá para deixar de associar isso à tentativa de Correa de implementar essas reformas muitas delas de caráter quase pessoal por uma via democrática, o referendo", aponta.
Opinião muito similar expressa Egon Moreira Bockmann, da UFPR. "O que está acontecendo no Equador indica que Correa quer se valer da popularidade e do prestígio político alcançado num determinado instante para fazer reformas que durarão, em tese, para sempre", conclui.
Populismo
"A lógica do governo Rafael Correa é a combinação de um sistema de poder representacional Aliança del País, uma agrupação partidária criada pelo próprio Correa com um sistema de participação social mais amplo, de caráter popular, apoiado em movimentos sociais urbanos, rurais e indigenistas", analisa Dimas Floriani, professor do departamento de Ciências Sociais da UFPR e coordenador acadêmico da Casa Latino-Americana (Casla).
Floriani, no entanto, frisa que não vê na atitude de Correa um posicionamento populista similar ao do presidente venezuelano Hugo Chávez. "O que está implícito é apenas a recomposição de um capital político bastante fragilizado", afirma.
Na opinião de Floriani, deve-se analisar o governo de Rafael Correa dentro de um contexto mais amplo, sob o foco das mudanças ocorridas na América Latina protagonizadas pela emergência de governos de caráter popular.
Floriano também destaca que o populismo, neste caso, não teria o mesmo significado das experiências das décadas de 1950 e 1960 no continente.
O panorama latino-americano, como o defendido pelo professor Dimas Floriani, mostra a extensão desse modelo de gestão neopopular a outros países do continente nos últimos anos. "Michelle Bachelet no Chile, Lula no Brasil, Kirchner na Argentina, Evo Morales na Bolívia, Hugo Chávez na Venezuela, Ortega na Nicarágua, José Mujica no Uruguai, Fernando Lugo no Paraguai e, mais recentemente, Mauricio Funes em El Salvador. Mas qual o significado desses governos? O que representam e o que têm em comum?", questiona.
Segundo Floriani, boa parte dos países citados vinha de um recente processo autoritário, com um regime cívico-militar inibidor das regras de funcionamento democrático, o que explicaria essa nova tendência populista não apenas no Equador, mas também em outros países de grande influência no continente.