Rafael Correa, presidente do Equador, usa popularidade para realizar mudanças no Judiciário e calar opositores| Foto: Evaristo Sá/AFP

As dez perguntas

A Corte Constitucional do Equador decidiu semana passada que as perguntas enviadas pelo Executivo e que comporão o referendo são todas constitucionais. Elas estão divididas em duas partes: as cinco primeiras, tratam de emendas constitucionais; as cinco últimas são questões com temas gerais. Saiba quais são elas:

1 - Com a finalidade de melhorar a segurança urbana, você está de acordo em que a lei correspondente seja trocada por prazos razoáveis para caducidade da prisão preventiva, emendando a Constituição da República como estabelece o Anexo 1?

2 - Com a finalidade de evitar a impunidade e garantir o comparecimento aos juízes penais das pessoas processadas, você está de acordo com as medidas substitutivas para que a prisão preventiva se aplique apenas a delitos menos graves, emendando a Constituição como estabelece o Anexo 2?

3 - Com a finalidade de evitar conflitos de interesses, você está de acordo em proibir que as instituições do sistema financeiro privado , assim como as empresas de comunicação privada de caráter nacional, seus diretores e principais acionistas, sejam donos ou tenham participação acionária fora do âmbito financeiro ou comunicacional, respectivamente emendando a Constituição como estabelece o Anexo 3?

4 - Com a finalidade de superar a crise Judiciária, você está de acordo em substituir o Conselho Pleno de Magistratura por uma Comissão Técnica composta por três delegados designados, um pelo Presidente da República, um pela Assembleia Nacional e um pelo órgão de Transparência e Controle Social , para que durante um período de 18 meses assuma todas e cada uma das funções do Conselho Pleno de Magistratura e possa reestruturar o sistema judiciário , emendando a Constituição como estabelece o Anexo 4?

5 - Com a finalidade de ter uma administração mais eficiente do sistema judiciário, você está de acordo em modificar a composição do Conselho de Magistratura, emendando a Constituição e reformando o Código Orgânico do Organismo Judiciário como estabelece o Anexo 5?

6 - Com a finalidade de combater a corrupção, você está de acordo que seja um delito o enriquecimento privado não justificado?

7 - Com a finalidade de evitar que os jogos de azar com fins lucrativos se convertam em um problema social, especialmente nos segmentos mais vulneráveis da população, você está de acordo em proibir em sua respectiva região distrital os negócios dedicados a jogos de azar, tais como cassinos e salas de jogos?

8 - Com a finalidade de evitar a morte de um animal por simples diversão, você está de acordo em proibir, em sua respectiva região distrital , os espetáculos públicos onde animais são mortos?

9 - Com a finalidade de evitar os excessos dos meios de comu­­nicação, você está de acordo que se crie uma lei de comunicação que estabeleça um conselho que regulamente a difusão de conteúdos na televisão, rádio e publicações da imprensa escrita, que contenham mensagens de violência, explicita­­mente sexuais ou discriminatórios; e que estabeleça os critérios de res­­ponsabilidade aos comunicadores e aos meios emissores?

10 - Com a finalidade de evitar a exploração do trabalho, você está de acordo que a não filiação ao Instituto Equatoriano de Segurança Social de trabalhadores em relação de dependência seja considerado um delito?

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A Corte Constitucional do E­­­quador autorizou nesta semana o presidente Rafael Correa a convocar referendo para reformar o Judiciário do país. Nos planos de Correa estão a mudança do órgão regulador da justiça, o endurecimento de normas pe­­nais, a ob­­tenção de maior controle sobre os meios de comunicação e ou­­tros temas de conteúdo similar. Ao mesmo tempo, o referendo apurará o que a população equatoriana pensa sobre temas aparentemente bem mais amenos, como a proibição de jo­­gos de azar e de espetáculos pú­­blicos que envolvam morte de animais.

Entre as várias questões que envolvem a análise da convocação do referendo por Correa, uma perpassa a mente de especialistas relacionados aos movimentos políticos na América Latina: por que convocar um re­­ferendo, já que há outros meios para que Correa faça valer sua vontade?

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Para Egon Bockmann Mo­­rei­­ra, professor de Direito Cons­­ti­­tucional da Universidade Fede­­ral do Paraná (UFPR), a resposta é evidente: "A instituição ou convocação de um referendo é uma estratégia utilizada quando o poder político quer se valer da popularidade para referendar temas difíceis. Ao invés de correr o procedimento por vias normais – como a aprovação por meio do Legislativo ou a eleição de uma assembleia específica – o referendo implica a alternativa binária para o eleitor", avalia Bockmann. Para o professor, nesses casos, o eleitor normalmente tende a adotar uma postura mais populista. "Ele não faz uma escolha refletida, mas sim impulsionada pelo calor do momento", completa.

Quando o assunto é populismo e popularidade, o presidente do Equador se vê muito bem. Atualmente sua popularidade beira os 60%, o que representa um crescimento significativo, já que no início de 2009 a aceitação de seu governo pela população se aproximava dos 40%. No quesito populismo, especialistas apontam como o momento-chave aquele em que Correa se aliou ao presidente venezuelano Hu­­go Chávez, época da bonança petrolífera. E agora, anos depois, esse clima parece acompanhá-lo também em outros quesitos.

Para os críticos do governo esquerdista de Correa, a iniciativa de reformas no Judiciário, se aprovada, também dará ao presidente o controle político sobre a seleção de juízes. Assim como outros analistas, Rafael Pons Reis, professor do curso de Re­­lações Internacionais da Facinter e do UniCuritiba, acredita que há interesses escusos sob a intenção de referendo proposto por Correa. "A proposta de Correa é uma tentativa clara de calar as vozes dissonantes a seu governo", afirma Pons Reis.

Vale lembrar que o presidente Rafael Correa sofreu uma tentativa de golpe em setembro do ano passado. "Eu vejo a proposta de referendo como uma manobra política com o objetivo de explorar sua popularidade, seu poder de influência frente à po­­pulação, em grande parte pelos fatos ocorridos em setembro passado", dispara Pons Reis. "Logo, não dá para deixar de associar isso à tentativa de Correa de im­­plementar essas reformas – muitas delas de caráter quase pessoal – por uma via democrática, o referendo", aponta.

Opinião muito similar ex­­pressa Egon Moreira Bockmann, da UFPR. "O que está acontecendo no Equador indica que Correa quer se valer da popularidade e do prestígio político alcançado num determinado instante para fazer reformas que durarão, em tese, para sempre", conclui.

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Populismo

"A lógica do governo Rafael Cor­­rea é a combinação de um sistema de poder representacional – Aliança del País, uma agrupação partidária criada pelo próprio Correa – com um sistema de participação social mais am­­plo, de caráter popular, apoiado em movimentos sociais urbanos, rurais e indigenistas", analisa Dimas Floriani, professor do departamento de Ciências So­­ciais da UFPR e coordenador acadêmico da Casa Latino-Ameri­­cana (Casla).

Floriani, no entanto, frisa que não vê na atitude de Correa um posicionamento populista similar ao do presidente venezuelano Hugo Chávez. "O que está implícito é apenas a recomposição de um capital político bastante fragilizado", afirma.

Na opinião de Floriani, deve-se analisar o governo de Rafael Correa dentro de um contexto mais amplo, sob o foco das mu­­danças ocorridas na América La­­tina – protagonizadas pela emergência de governos de caráter popular.

Floriano também destaca que o populismo, neste caso, não te­­ria o mesmo significado das ex­­periências das décadas de 1950 e 1960 no continente.

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O panorama latino-americano, como o defendido pelo professor Dimas Floriani, mostra a extensão desse modelo de gestão neopopular a outros países do continente nos últimos anos. "Michelle Bachelet no Chile, Lula no Brasil, Kirchner na Ar­­gentina, Evo Morales na Bolívia, Hugo Chávez na Venezuela, Or­­tega na Nicarágua, José Mujica no Uruguai, Fernando Lugo no Paraguai e, mais recentemente, Mauricio Funes em El Salvador. Mas qual o significado desses governos? O que representam e o que têm em comum?", questiona.

Segundo Floriani, boa parte dos países citados vinha de um recente processo autoritário, com um regime cívico-militar inibidor das regras de funcionamento democrático, o que explicaria essa nova tendência populista não apenas no Equador, mas também em outros países de grande influência no continente.