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Nicolás Maduro continua sendo um dos ditadores mais cruéis do planeta, ao destruir a economia da Venezuela, manter centenas de presos políticos e perseguir a oposição – cujas primárias para definir quem vai enfrentá-lo na eleição presidencial de 2024 ele tenta sabotar de todas as formas.
Ainda assim, de um ano para cá, Maduro vem sendo cada vez mais paparicado pela comunidade internacional e sua imagem passa por uma espécie de processo de “resgate”. De uma hora para a outra, o ditador venezuelano, que havia sido isolado em 2019, voltou a ser alguém digno de interlocução, ainda que, como dito, siga exatamente o mesmo.
O presidente da Colômbia, Gustavo Petro, que recentemente completou um ano de mandato, restabeleceu as relações do seu país com a Venezuela e se tornou tão próximo do ditador que recebeu o pouco honroso apelido de “embaixador” de Maduro. Segundo denúncias, é um amor que teria seu preço.
O Brasil, com Luiz Inácio Lula da Silva de volta à presidência, também reatou os laços diplomáticos com Caracas. E, diante da necessidade de aumentar a oferta de petróleo no mercado internacional para acuar a Rússia, o presidente americano, Joe Biden, autorizou a empresa Chevron a reativar parcialmente operações na Venezuela e exportações do produto do país sul-americano para os Estados Unidos.
Agora, até um presidente conservador parece estar disposto a cortejar o regime chavista. O paraguaio Santiago Peña, que tomou posse na terça-feira (15), tem posturas nas relações exteriores identificadas com o espectro conservador: disse que vai manter relações diplomáticas com Taiwan (o Paraguai é o único país sul-americano a fazê-lo) e transferir a embaixada do seu país em Israel de Tel Aviv para Jerusalém.
Ao mesmo tempo, entretanto, Peña quer restabelecer relações diplomáticas com a Venezuela, rompidas em 2019 pela administração de Mario Abdo Benítez. O novo presidente disse que esta retomada será “sem [estabelecer] condições” e inclusive falou por telefone com Maduro após sua vitória na eleição de abril. “O Paraguai quer ser a voz da integração”, alegou.
No final de julho, em declarações à Agência EFE, Peña disse que está disposto a liquidar a dívida de US$ 300 milhões que o Paraguai tem junto à Venezuela, relativa a compras de combustível realizadas em 2009 e que é objeto de um processo de arbitragem que tramita na Câmara de Comércio Internacional (CCI), em Paris.
“Sempre mostramos a predisposição a pagar, mas apelando para as condições do Acordo de Caracas, assinado entre o presidente [Hugo] Chávez e o presidente Nicanor Duarte Frutos, que prevê um financiamento de 15 anos a uma taxa de 2%”, argumentou Peña.
Em julho, a vice-presidente da ditadura venezuelana, Delcy Rodríguez, advertiu Abdo Benítez para que pagasse a dívida “antes de deixar a presidência” – o que não aconteceu.
Paraguaio prega relações sem “deixar de ser crítico”
Apesar dessas posições, Peña sustenta que a retomada das relações com a Venezuela acontecerá sem ele “deixar de ser crítico” a respeito da situação no país comandado por Maduro.
No final de julho, após encontro com Lula em Brasília, Peña disse em coletiva de imprensa que conversou com o presidente brasileiro sobre a importância da União de Nações Sul-Americanas (Unasul) “não ser um espaço de ideologia, mas de integração”.
A Unasul foi criada em 2008, em meio a uma onda de governos de esquerda na América do Sul. Em 2019, Brasil e Argentina, governados por Jair Bolsonaro e Mauricio Macri, respectivamente, deixaram o grupo. Porém, voltaram após as vitórias eleitorais de Lula e Alberto Fernández.
Na mesma coletiva, Peña manifestou a intenção de “tentar ser uma voz para todos os venezuelanos que pedem eleições e defesa dos direitos humanos”.
“O Paraguai, um país que por 35 anos viveu uma ditadura, tem a responsabilidade de defender a democracia e os direitos humanos”, alegou o novo presidente paraguaio. A dúvida que fica é: se aliados internacionais de esquerda não têm conseguido arrancar concessões de Maduro, o conservador Peña conseguirá algum sucesso nessa empreitada?