Os benefícios sociais correm o risco de "desaparecer" na Venezuela como "figura de proteção" se for mantida a política salarial do governo, que consiste em pagar bonificações extras enquanto mantém congelado o salário mínimo, a base de cálculo para o seguro-desemprego e outros benefícios, de acordo com acadêmicos e trabalhadores.
Apesar dos milhares de protestos realizados nos últimos meses exigindo um aumento salarial, o ditador Nicolás Maduro anunciou o pagamento de dois bônus no valor total de US$ 70 (R$ 343) por mês, enquanto o salário mínimo foi mantido em 130 bolívares, valor estabelecido desde março de 2022. Esse valor, que correspondia a US$ 29,68 (R$ 145,77), foi reduzido em 82% para os atuais US$ 5,10 (R$ 25,04) devido à desvalorização.
Pablo Zambrano, secretário executivo da Federação dos Trabalhadores da Saúde (Fetrasalud) e membro da Rede Sindical Venezuelana, disse à EFE que a política oficial, que ele considera como "salários precários", afeta "todas as cláusulas" dos contratos relacionados aos benefícios trabalhistas.
"Se não há salário, você não pode ter benefícios sociais (...) da mesma forma, não há pensões ou aposentadorias decentes, você não tem um contrato coletivo justo. Se não há salário, você não pode dar dignidade a sua família", disse o sindicalista.
Fim do salário
Para Zambrano, "não há salário" conforme estabelecido na Constituição, segundo a qual "tem que ser digno e suficiente para pelo menos comer", o que ele considera uma das principais causas da diáspora de venezuelanos, estimada em mais de sete milhões de pessoas, de acordo com a Plataforma de Coordenação Interagencial para Refugiados e Migrantes na Venezuela (R4V).
O líder sindical destacou que essa política começou em 2018, desde quando algumas “cláusulas, como (a que estabelece o prêmio mensal para pagar o) transporte, que eram históricas, foram eliminadas, enquanto outras foram reduzidas percentualmente, o que representou um ataque aos direitos dos trabalhadores”.
O governo também reduziu a frequência dos aumentos salariais, que foram mantidos congelados para que, na opinião de Zambrano, "não sejam gerados benefícios sociais".
Os trabalhadores, acrescentou, estão exigindo um salário indexado ao dólar para que ele não perca valor devido à desvalorização - que foi de 83% desde março de 2022 em relação a essa moeda - e para que os benefícios "se tornem verdadeiras economias familiares, com as quais possam viver com dignidade, algo que continuarão a exigir nas ruas".
De acordo com o Observatório Venezuelano de Conflitos Sociais (OVCS), dos 2.814 protestos documentados durante os primeiros três meses deste ano, 2.165 foram para exigir direitos trabalhistas, um aumento de 209% em relação ao mesmo período de 2022, quando houve 700 manifestações.
A presidente da Federação de Professores (FVM), Carmen Márquez, rejeitou recentemente o fato de Maduro não ter aprovado "o aumento do salário mínimo que todos os trabalhadores esperavam, mas que se baseou em dar bônus que realmente não lhes permitem sobreviver, quando a cesta básica ultrapassa US$ 500 (R$ 2.455)”, de acordo com estimativas independentes.
Proteção social em risco
A Academia Nacional de Ciências Econômicas (ANCE) advertiu que a decisão de manter o salário mínimo congelado compromete "seriamente a existência do já muito frágil sistema de proteção social na Venezuela".
"Na medida em que a moeda soberana, o bolívar, continuar a se enfraquecer em relação a outros ativos monetários, o poder de compra do salário mínimo (que ainda é fixado em bolívares), como sua equivalência em outras moedas, irá sendo reduzido", afirmou a academia.
“Isso acabará levando ao desaparecimento do salário mínimo como figura de proteção, assim como as pensões, um benefício que, por lei, é concedido em valores iguais ao salário mínimo, o pagamento extra e a indenização por demissão", avaliou o órgão.
O governo, por sua vez, insistiu que as sanções internacionais afetam a capacidade de pagar melhores salários.
Maduro garantiu que está sendo desenvolvida uma "estratégia" que consiste em "aumentar" esses bônus para avançar, nos "próximos meses", e se preparar para o momento em que o governo tiver "a renda nacional para dar um golpe definitivo na recuperação dos salários e da renda geral dos trabalhadores".
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