Repressão é falha, mas legalização traria ainda outros problemas
Na convenção antidrogas das Nações Unidas, na semana passada, um grupo de 26 estados defendeu a inclusão do conceito de "redução de danos" no plano de ações para os próximos dez anos. Eles pediam a separação das políticas sobre consumo daquelas sobre comércio de drogas e políticas de saúde pública para lidar com os usuários. Por falta de uma definição precisa do que isso signifique, eles não foram atendidos.
Bálcãs também facilitam a vida de traficantes
Em McMáfia Crime sem fronteiras, o jornalista e historiador britânico Misha Glenny retrata a atuação do crime organizado no tráfico de drogas em escala global. Para o autor, o colapso da União Soviética, no fim da década de 1980, é o principal acontecimento "responsável pelo crescimento exponencial do crime organizado em todo o mundo nas últimas duas décadas".
A intenção firmada pelos países integrantes das Nações Unidas de "minimizar e, eventualmente, eliminar a disponibilidade e o uso de drogas ilícitas" até 2019 é só um déjà vu. A mesma decisão foi tomada em 1998, quando a Assembleia Geral da ONU determinou "eliminar ou reduzir significativamente a produção de ópio, cocaína e maconha até 2008".
Pela estimativa da mesma organização, a indústria do tráfico faturou US$ 320 bilhões (cerca de R$ 740 bilhões) no ano passado, estruturada como negócio organizado em que ninguém pretende perder clientes tão cedo. "É o tipo de promessa que políticos adoram fazer. Serve para confortar pais de adolescentes em todo o mundo. E, no entanto, é uma promessa altamente irresponsável, porque não pode ser cumprida", publicou a revista The Economist.
"De um lado, em dez anos se conseguiu que o consumo se estabilizasse em 5% de usuários. Por outro, não se conseguiu reduzir nem a produção nem conter o consumo", diz o representante para o Brasil do escritório de Drogas e Crime da ONU, Giovanni Quaglia. Ele chama de empate, não fracasso, explicando que o encontro realizado em Viena na semana passada serviu para tornar o esforço antidrogas dos países mais realista.
No caminho em direção à realidade, há inúmeras pedras. A principal é que o tráfico tornou-se transnacional, como consequência da globalização, que eliminou as fronteiras do mundo do crime. Mesmo aquelas que restam, físicas, podem ser burladas, como acontece na passagem de centenas de pessoas e produtos do México para os EUA.
Em direção ao outro grande consumidor, a Europa, a facilidade de locomoção tornou países da África Ocidental uma rota-chave para distribuir a cocaína trazida de Brasil e Venezuela. Um percurso que é favorecido pela fragilidade do governo desses países.
Guiné-Bissau
O centro nevrálgico do tráfico na região é a Guiné-Bissau, onde há duas semanas o presidente foi assassinado. Autoridades temem que o tráfico tenha tornado países como Nigéria e Senegal "narco-estados".
A essa falta de controle governamental é acrescida a carência de recursos, problema que também atinge os morros do Rio de Janeiro, de acordo com o Departamento de Estado norte-americano. No fim de fevereiro, os EUA publicaram relatório em que elencam as principais dificuldades dos países-atores do tráfico. No caso do Brasil, criticam a política meramente defensiva para obter o "máximo efeito a partir de recursos limitados".
Outro empecilho para a repressão do tráfico, de acordo com o relatório, são as políticas "desalinhadas" a Washington, encabeçadas pelas do presidente boliviano. Em plena convenção antidrogas de Viena, Evo Morales sacou uma folha de coca, matéria-prima da cocaína, e colocou-se a mastigá-la, enfatizando seu pleito de que a erva tradicionalmente usada nos Andes seja retirada da lista internacional de entorpecentes.
Mas o feitiço também vira contra o feiticeiro, e os esforços antidroga do próprio EUA são alvo de críticas. Para a pesquisadora do Center for International Policy Laura Carlsen, o objetivo do país não é ganhar a guerra, e sim garantir financiamento e apoio da opinião pública para o modelo militar de combate ao tráfico, "apesar das perdas e da evidência de que as estratégias atuais não estão funcionando", escreveu em artigo.
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