Um comerciante foi o anjo da guarda de centenas de brasileiros que viviam no Líbano, país que têm sofrido com ataques israelenses há 19 dias. Mesmo sem ter nenhuma ligação com a Embaixada Brasileira, o comerciante Gihad Azanki, de 38 anos, exerceu uma função diplomática. Articulou a retirada cerca de 500 pessoas da região do Vale Bekaa, no Leste do país, colocando em risco a própria vida.
Filho de libaneses, Azanki morava há quatro anos em Beirute, capital do Líbano, onde tinha uma loja de produtos brasileiros. Ele chegou no último sábado à casa dos pais, em São Vicente, cidade onde viveu por 20 anos.
Durante a guerra, ele passou por momentos de tensão. O comerciante contou que, no dia 12, quando tiveram inícios os ataques à capital libanesa, bombardeios atingiram o aeroporto de Beirute, perto de onde ele morava:
- Eu estava dormindo, por volta das 6h, quando jogaram a primeira bomba. Levei um susto tão grande que caí da cama.
Dois dias depois do início das ofensivas de Israel, o comerciante resolveu se refugiar no lado norte de Beirute, que ainda não estava sendo atacado.
- Só peguei o essencial e coloquei em uma mala - relembrou.
Mas quando percebeu que era arriscado ficar no local, seguiu para a casa de uma prima, em Karaoun, terra natal de seus pais. A cidade fica no Vale do Bekaa, região que concentra a maior colônia de brasileiros, entre 5 e 7 mil pessoas.
Arriscando a vida
Azanki diz que não sabe explicar o motivo que o levou a arriscar a própria vida para ajudar os brasileiros a sair do país.
- Poderia ter comprado uma passagem de avião e vindo embora para o Brasil. Mas como sou bem conhecido no Líbano e tinha um bom relacionamento na embaixada, senti que precisava ajudar - disse.
Em Beirute, o comerciante fazia trabalho comunitário, sua loja tinha se tornado ponto de encontro de brasileiros, onde eram feitas reclamações e eventos da colônia.
Para ajudar, ia de cidade em cidade, com o próprio carro, cadastrando os brasileiros que queriam sair do país. Durante a viagem, que durou cinco dias, conseguiu listar 1.200 pessoas.
Frustração
A Embaixada mandaria os ônibus para levar os brasileiros do Líbano até a Síria. Mas a operação fracassou. Os veículos não foram enviados. Numa segunda tentativa, os ônibus sairiam da Síria, através da Embaixada de Damasco.
- Tinha agrupado mil pessoas, que partiriam da cidade de Anjar, às 7h, do ultimo dia 14, em um comboio formado por 20 ônibus.
Mas pela segunda vez a operação fracassou.
- Quando descobri (às 21h, um dia antes da viagem), fiquei tão nervoso, tão irritado, que xinguei todo mundo. Não tinha como avisar mil pessoas. Nem todos tinham telefone e qualquer pessoa que saísse de carro à noite seria alvo fácil de bombardeio.
Mesmo assim, conseguiu ligar para alguns brasileiros e foi pessoalmente a algumas mesquitas. Como os vilarejos são pequenos, a notícia se espalhou rápido e todos foram avisados.
- Resolvi desistir de ajudar. Meus pais, no Brasil, estavam desesperados, ligavam-me chorando, me pedindo para voltar. Então telefonei para o cônsul e disse que iria embora. Mas ele insistiu, disse que não tinha mais ninguém para fazer esse trabalho.
O comerciante aceitou, mas impôs uma condição. Que ele ficasse responsável por alugar os veículos.
- Aluguei sete ônibus e microônibus, com capacidade para levar 405 passageiros. Então comecei novamente a recrutar os brasileiros, mas já não tinha tanta credibilidade.
Antes de partir, Azanki queria uma garantia de que os ônibus não seriam bombardeados por Israel.
- O caminho é perigoso porque é rota de entrada e saída de armamentos. E estavam bombardeando todos os veículos grandes, caminhões e ônibus.
Então, ele sugeriu que informassem aos israelenses o número das placas e as cores dos ônibus, a rota que fariam e avisassem que os veículos estariam com bandeiras brasileiras.
O Itamaraty entrou em contato com o governo de Israel, mas não conseguiu a garantia de 100% de segurança. O general israelense aconselhou-os a sair pelo norte, uma viagem de mais de oito horas. Enquanto que pelo leste, rota que estava programada, levariam cerca de uma hora.
Na estrada
Mesmo sem obter a garantia de segurança total, resolveu arriscar a viagem pelo leste. Os comboios partiram na última segunda-feira, em dois horários, às 7h e às 15h.
- Muitos ficaram com medo de arriscar e desistiram
A viagem foi tensa. Durante todo trajeto, os veículos estavam sendo monitorados pela aviação israelense.
Em Damasco, capital síria, ficaram cinco dias abrigados em dois colégios, mas sem nenhuma estrutura.
- Recebemos comida, colchões, mas não tínhamos água.
A primeira leva de brasileiros, um grupo de 250 pessoas, saiu na última quarta-feira, em uma avião da TAM, e chegou ao Brasil na manhã de quinta-feira. O outro saiu na sexta, com mais 237 passageiros, entre eles Azanki, e chegou no sábado, pouco depois de meia-noite. As duas viagens foram custeadas pela TAM e pela Gol.
- Minha maior satisfação foi escutar o muito obrigado dos brasileiros que ajudei a sair do Líbano, ao fim da viagem. Isso vale mais do que qualquer dinheiro.
Outros dois brasileiros que ficaram no Líbano continuaram o trabalho iniciado por Azanki: Mohamed Abduni e Khaled Haymour. Um novo comboio está previsto para sair na terça-feira do Vale do Bekaa.
Azanki estima que cerca de 3 mil brasileiros ficaram no Vale do Bekaa porque não têm condições de sair do Líbano.
- Muitos não têm casa nem parentes no Brasil. Vão fazer o quê? Trazer toda a família para morar na rua?
Deixe sua opinião