Pessoas recebem sopa, em frente ao Banco Central da Argentina, em Buenos Aires. Peso perdeu 25,5% de seu valor em um ano| Foto: EITAN ABRAMOVICH/AFP

Mais uma crise atinge a Argentina. E mais uma vez, o país vizinho pede socorro ao Fundo Monetário Internacional (FMI). A entidade é como se fosse um velho parceiro de tango: pela segunda vez neste século é procurada para ajudar a economia cambaleante. Em 12 meses, o peso – a moeda local – teve uma desvalorização de 25,5% frente ao dolár em um ano, segundo a Bloomberg, motivada por uma corrida em direção à moeda americana. 

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“O argentino não confia em sua própria moeda”, diz Eduardo Viola, professor do departamento de Relações Internacionais da Universidade de Brasília (UnB), dando uma pista sobre os motivos que levaram à queda do peso. Em 2001, uma crise cambial derrubou o então presidente Fernado de La Rua e quatro presidentes se sucederam em menos de 15 dias. 

Mas nem sempre o cenário da Argentina foi trágico. Às vésperas da Primeira Guerra Mundial (1914-1918), o PIB per capita se comparava ao da Alemanha e dos Países Baixos e era superior ao de vários países da Europa, como Espanha, Itália, Suíça e Suécia. Era também a maior economia da América do Sul, com um PIB quase 50% superior ao do Brasil. 

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Segundo Lívio Ribeiro, pesquisador do Instituto Brasileiro de Economia, da Fundação Getúlio Vargas (Ibre/FGV), a Argentina contava com os bons preços da carne a seu favor no mercado internacional. Mas a economia não dependia exclusivamente de um só produto, como ocorria, na época, com o Brasil, dependente do café. 

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Outros produtos relevantes na pauta argentina de exportações eram o trigo e a lã. E os maiores clientes estavam na Europa: Reino Unido e, a partir de 1913, a Alemanha. 

“Era uma economia fortemente globalizada”, destaca Viola. No início do século passado, o país era responsável por 40% a 45% das exportações da América do Sul. O comércio exterior per capita era seis vezes superior à média dos demais países da América Latina. 

Segundo o professor da UnB, um dos principais fatores que favoreceu esta internacionalização da Argentina foi a existência de uma constituição liberal, que garantia o direito à propriedade, estimulava a imigração e favorecia a entrada de capital estrangeiro. 

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Uma grande leva de imigrantes, principalmente italianos, chegou ao país a partir de 1875. Vinte anos depois, mais da metade da população de Buenos Aires era estrangeira. 

Raízes da decadência 

O cenário começou a mudar a partir de 1929, com os reflexos do crash da Bolsa de Valores de Nova York. A economia mundial passou por uma forte recessão, a demanda internacional por commodities encolheu e o protecionismo passou a ganhar força no cenário internacional. 

Isto acabou favorecendo o predomínio de ideologias nacionalistas. A partir de 1940, segundo Viola, da UnB, há um desestímulo à economia de mercado na Argentina. Ele é intensificado com a chegada ao poder do coronel Juan Domingo Perón, em 1946. Ele promoveu a nacionalização em setores estratégicos como bancos, ferrovias e companhias de eletricidade. “Institui-se um capitalismo de Estado, forma-se uma nova burguesia e aumenta a corrupção.” 

Uma das grandes bases de apoio ao peronismo eram os sindicatos. O professor da UnB destaca que eles passam a ter um poder excessivo nas relações de trabalho, influenciando inclusive na definição do processo de produção. “Há uma grande limitação ao direito de propriedade. O argentino passa a viver do patrimônio e não mais da renda.” 

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Ribeiro, do Ibre/FGV, destaca que uma das características deste novo modelo argentino é procurar agradar a todos, sem que se dê atenção aos custos que estão implícitos. 

“O problema básico da Argentina é institucional. O peronismo acabou orientando a economia para a obtenção de resultados de curto prazo.” 

Ao longo do tempo, a mentalidade populista acabou se enraizando na população, o que favoreceu o surgimento de novas lideranças populistas, como o casal Néstor e Cristina Kirchner, que ficou no poder entre 2003 e 2015. 

Viola, da UnB, considera que a vitória de Maurício Macri, em 2015, com uma proposta liberal, acabou sendo um “ponto fora da curva.” Contudo, o professor da UnB sinaliza que foi um ganho precário, devido às eleições acirradas. Há também o agravante que o presidente argentino não conta com maioria no Congresso, o que inibe um ajuste radical na economia. 

Velhos problemas 

Os problemas que a economia argentina enfrenta hoje não são novos. As raízes da atual crise remontam ao governo Menem, nos anos 90, que instituiu a livre conversibilidade entre o peso e o dólar, para tentar fugir da hiperinflação e da crise 

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“O regime cambial fixo é uma ilusão, precisa de um ‘colchão’ de reservas e de receitas internacionais, o que a Argentina não tinha na época”, diz Ribeiro. Com os ataques especulativos no final dos anos 90 e início da década passada, a Argentina foi obrigada a abandonar esse esquema cambial, desvalorizando sua moeda. 

Segundo o especialista, isto resultou em um brutal empobrecimento da população, uma vez que ela recebia em pesos e estava fortemente endividada em dólares. 

Este cenário fez com que a Argentina entrasse em moratória, suspendendo o pagamento de suas dívidas. Isto a manteve fora do mercado internacional de capitais. Mas Néstor Kirchner, em um primeiro momento, e depois sua esposa, Cristina, ganharam um refresco: o ciclo de alta das commodities. “Isto adiou a realização de um ajuste mais radical”, enfatiza o pesquisador do Ibre/FGV. 

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O governo de Cristina Kirchner complicou ainda mais a situação da Argentina ao promover uma contenção dos preços das tarifas públicas, para evitar que a inflação aumentasse. 

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Uma das primeiras providências de Macri, ao assumir o poder, em 2015, foi promover a correção das tarifas públicas, que estavam defasadas. “A população não gostou e o apoio a ele começou a trincar”, disse Ribeiro. Aliada à minoria no Congresso, acabou inviabilizando a possibilidade de um ajuste mais radical na economia. 

O presidente acabou entrando em uma tempestade perfeita. “Os juros começaram a aumentar no mercado internacional e o dinheiro passou a fugir dos países que não fizeram a lição de casa.” 70% da dívida argentina está dolarizada e a entrada de receitas internacionais, neste ano, foi dificultada pela quebra na safra. Com pouco dólar em caixa, o país foi obrigado a apelar ao FMI .