Conforme a China vai ficando mais poderosa, vai enfraquecendo décadas de hegemonia americana em partes da Ásia. Os contornos dessa rivalidade estão definindo o futuro do continente.
Um grupo de 11 nações assinou recentemente um acordo comercial que havia sido originalmente concebido como um contraponto americano à China – mas, depois que o presidente Donald Trump se retirou, o pacto continuou sem os Estados Unidos. Este foi o acontecimento mais recente na transição gradual da Ásia da dominação americana para algo muito mais fluido.
Há muita coisa em jogo: as duas potências tentam reformular as economias e os sistemas políticos da região mais populosa do mundo à sua própria imagem.
A capacidade militar dos Estados Unidos ainda predomina na Ásia, mas a China conta agora com um crescente poderio militar e posição econômica privilegiada para reordenar a região, atraindo aliados americanos de longa data, como as Filipinas e a Indonésia.
A mudança pode acelerar na administração Trump, cuja política externa volátil e a rejeição dos acordos comerciais já estão forçando nações asiáticas a repensar suas estratégias.
O acordo comercial é um forte sinal de como países como Austrália e Japão estão se virando sem a liderança americana. O acordo substitui a Parceria Transpacífico, efetivamente terminada por Trump.
Os países asiáticos agora negociam mais com a China, muitas vezes com um fator de 2 para 1, desequilíbrio que só aumenta agora que o crescimento econômico chinês supera o americano.
Os líderes asiáticos sabem que suas economias – e, portanto, sua política interna – dependem de Pequim, que tem mostrado que vai oferecer investimento aos amigos e punição econômica aos desafetos.
Já outra métrica importante de influência de poder, a venda de armas, demonstra o alcance duradouro dos Estados Unidos.
Os países que compram armamento americano vinculam suas forças militares e sua política externa aos EUA. O desequilíbrio reflete a extensão das relações militares norte-americanas na Ásia, que remontam à Segunda Guerra Mundial.
Muitos dos 20 países que se veem entre Pequim e Washington enfrentam uma escolha impossível, entre a riqueza chinesa e a segurança americana.
"Esses países não querem ter que escolher um lado", disse Tanvi Madan, especialista em Ásia da Brookings Institution.
Então, isso não acontece. De fato, a maioria está buscando estratégias destinadas a tirar o máximo benefício de ambos os poderes, a minimizar os riscos de irritar qualquer um dos lados e a preservar sua independência.
O resultado provavelmente será algo diferente da Europa da época da Guerra Fria, que foi claramente dividida entre os dois lados. Em vez disso, o continente será fraturado ao longo de várias linhas ao mesmo tempo, onde países aceitam, rejeitam ou gerenciam a crescente influência da China.
Cada estratégia envolve compromissos difíceis e pode ser vista como um modelo para outros países da Ásia e, talvez um dia, do mundo todo, lidarem com um mundo sino-americano.
Japão: contraponto à China
Mesmo que o mundo esteja mudando a favor de Pequim, o Japão é um lembrete de que a China ainda está longe de se tornar uma potência no estilo americano. E fornece um modelo para enfrentá-la.
O Japão se equipara à ascensão chinesa graças ao próprio ressurgimento, alavancando sua economia – a terceira maior do mundo – garantindo forças armadas independentes e poderosas e estabelecendo relações diplomáticas. O país está tentando reconstituir uma aliança informal e implicitamente antichinesa, conhecida como "quad", que inclui Índia, Austrália e Estados Unidos.
O "quad" ainda é basicamente uma aspiração, e seus membros exercem até agora apenas uma fração da influência econômica e militar da China na região.
Porém, o Japão representa o vento contrário para Pequim. As maiores economias asiáticas e suas democracias, ao invés de se curvarem ao poder chinês, o estão contrabalançando.
Sri Lanka: aliando-se à China
O Sri Lanka pode não parecer um termômetro geopolítico, mas observadores da Ásia seguem os acontecimentos do país desde 2014, quando um submarino chinês atracou em um porto construído com investimento próprio. O fato marcou uma nova era, na qual os chineses convertem seu poder econômico em poder militar – e, nas democracias mais pobres, em influência política.
A China vem desenvolvendo muitos projetos de infraestrutura por toda a Ásia, particularmente portos estrategicamente importantes e corredores de trânsito. Esses projetos começam como um desenvolvimento conjunto, mas podem acabar nas mãos dos chineses. Em dezembro, o Sri Lanka, incapaz de pagar dívidas da construção do porto, concedeu seu uso à China por 99 anos.
"Os chineses estão usando sua abundância de mão de obra, capital e força de trabalho para projetar sua influência, principalmente nos países onde os EUA não têm muita influência nem oferecem muita ajuda", disse Mira Rapp-Hooper, que estuda os problemas de segurança asiáticos na Faculdade de Direito de Yale.
Filipinas: em cima do muro
Muitos líderes asiáticos iludem as grandes potências sem declarar abertamente de que lado estão. Poucos fazem isso com tanta criatividade e descaramento quanto o presidente das Filipinas, Rodrigo Duterte.
Ao assumir seu posto em 2016, Duterte sugeriu que poderia terminar a aliança de 65 anos entre seu país e os Estados Unidos. Procurou Pequim, prometeu cooperação com a China e – como que para sinalizar que não haveria volta – insultou grosseiramente o então presidente Barack Obama.
Porém, acabou conquistando concessões de ambos os poderes. Os americanos reduziram as obrigações filipinas na aliança e continuaram a garantir a defesa do país; os chineses ofereceram termos favoráveis em disputas marítimas e possíveis acordos de investimento.
Ele nunca mudou de lado.
Esses episódios se desenrolaram no sudeste da Ásia, onde a China enfrenta mais conflitos. Pequim esperava poder forçar países menores a aceitar sua posição dominante; Washington achou que poderia criar um bloco antichinês. Quase todas as nações tomaram o caminho do meio.
Até mesmo o Vietnã, tradicional adversário da China, resiste tanto à influência dela quanto às investidas americanas. Quase dois anos depois de Obama levantar o embargo de armas no Vietnã, na esperança de trazê-lo para o lado americano, o país ainda compra a maioria de seus armamentos da Rússia.
Mas a vantagem da China na região só tende a crescer, particularmente se os Estados Unidos continuarem se afastando. Rapp-Hooper chamou a atenção para os crescentes escândalos na Austrália e Nova Zelândia sobre a compra chinesa de influência.
"Esses países não poderiam ser mais alinhados com nossos interesses, mas há um grande desconforto em relação ao distanciamento do dinheiro chinês. Essas são provas do que teremos que enfrentar", disse ela.
Este é outro futuro possível: países sujeitos à influência de ambos os poderes, com as mãos de ambos em sua economia e política. É um futuro ao mesmo tempo americano e chinês, com nações não claramente alinhadas, nem totalmente independentes.
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