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Assumindo um papel que já foi dos Estados Unidos, a China tem buscado cada vez mais exercer influência na geopolítica mundial ao mediar acordos para fim de hostilidades entre outros países.
O grande triunfo chinês até o momento foi o anúncio, feito em março, do restabelecimento das relações diplomáticas entre Irã e Arábia Saudita com mediação de Pequim, após sete anos de laços rompidos entre os dois países.
Mas a China não quer parar por aí. Pequim sugeriu um plano de paz para encerrar a guerra entre Ucrânia e Rússia e na semana retrasada o ditador Xi Jinping conversou pela primeira vez desde o início do conflito com o presidente ucraniano, Volodymyr Zelensky.
Antes, líderes ocidentais, como o presidente francês, Emmanuel Macron, haviam pedido para que a China utilizasse sua influência junto ao presidente russo, Vladimir Putin, para que fosse alcançado um cessar-fogo na Ucrânia.
Outro conflito, muito mais antigo, se tornou alvo das investidas diplomáticas de Pequim. O ministro das Relações Exteriores da China, Qin Gang, tem entrado em contato com altos funcionários israelenses e palestinos com o objetivo de iniciar negociações de paz e implementar a solução de dois Estados na região.
Em conversas com os ministros das Relações Exteriores de Israel e da Palestina, Eli Cohen e Riyad Al-Maliki, respectivamente, Qin argumentou que a China está “pronta para facilitar” essas conversas.
No Iêmen, o encarregado local de negócios da China, Shao Zheng, vem realizando reuniões com membros do Conselho de Liderança Presidencial do país para que seja negociado o fim da guerra civil iniciada em 2015. Nesse caso, a mediação do acordo Irã-Arábia Saudita ajuda Pequim, visto que os dois países fazem uma guerra por procuração no Iêmen.
As conversas sobre o Iêmen deixam claro que o objetivo da China não é apenas obter soft power ao mediar negociações de paz.
Em comunicado divulgado em abril, a embaixada chinesa no Iêmen apontou que o país em guerra “tem um enorme potencial de desenvolvimento à espera de ser explorado” e que a China espera poder “desempenhar um papel importante na reconstrução do Iêmen no pós-guerra e no desenvolvimento econômico”. Ou seja: está de olho nos negócios que podem ser gerados com a obtenção da paz.
Direitos humanos
Não deixa de ser irônico que um país acusado de genocídio dentro das suas fronteiras (contra a minoria muçulmana uigur em Xinjiang) e que vem ameaçando invadir uma ilha vizinha (Taiwan) esteja buscando o papel de mediador da paz mundial, mas, especificamente no caso do acordo Irã-Arábia Saudita, esse histórico ruim até ajudou.
A China se aproveitou do distanciamento americano em relação a Teerã (depois que o governo Trump se retirou do acordo nuclear assinado em 2015, na gestão Obama) e Riad (após as críticas de Joe Biden pelo assassinato do jornalista saudita Jamal Khashoggi), dois regimes que, assim como Pequim, possuem um registro vergonhoso na área de direitos humanos.
“A China não está preocupada em cobrar outros governos em pautas de direitos humanos. Isso está presente, inclusive, na nota trilateral [divulgada em março], que fala em respeito pela soberania e ‘não-interferência em assuntos internos’. Isso pode se aplicar a uma miríade de temas, incluindo a prisão de opositores, repressão de protestos e similares. Lembrando que o Irã é o país que mais executa pessoas no mundo, e a Arábia Saudita ocupa o terceiro lugar no ranking, ambos os países sofrendo pressão internacional por isso”, destacou o historiador Filipe Figueiredo, colunista da Gazeta do Povo.
Em artigo recente para o jornal sul-coreano The Korea Herald, Wang Son-taek, diretor do Centro de Políticas Globais do Instituto da Paz de Hampyeong, destacou que a decadência diplomática dos Estados Unidos, segundo ele, iniciada no governo de George W. Bush (2001-2009), impulsiona outras potências, com valores diferentes dos americanos.
“Se a estratégia [americana] para a região do Indo-Pacífico não for revista, a presença da China e as provocações da Rússia só aumentarão. As principais potências médias na Ásia, África e Américas se moverão mais em direção à China e à Rússia. Alguns países desenvolvidos na Europa e na Ásia expressarão mais insatisfação com a liderança dos Estados Unidos”, explicou.
Sem credibilidade
Resta saber se a China terá fôlego para seguir mediando acordos mundo afora – papel para o qual a credibilidade é um ingrediente decisivo.
Tuvia Gering, especialista em relações China-Oriente Médio do Instituto de Estudos de Segurança Nacional de Israel, disse em entrevista à DW que a China viu “uma oportunidade” no acordo Irã-Arábia Saudita e foi “apenas o player certo na hora certa”.
Entretanto, ser encarada como um mediador equilibrado em outros conflitos será mais difícil. Após a conversa entre Xi e Zelensky na semana retrasada, a OTAN lembrou que Pequim segue sem condenar a invasão russa à Ucrânia, e a parceria entre China e Rússia (aprofundada desde o início da guerra) havia sido reafirmada com uma visita do ditador à capital russa em março.
Gering apontou que Israel encara as investidas chinesas para negociações com os palestinos com o mesmo ceticismo que a OTAN mantém em relação ao papel de Pequim sobre a guerra na Ucrânia.
“A China pode enxergar a si mesma como um poder equilibrado para todas as partes, mas Israel não compartilha desse sentimento. Eles veem a China como um player tendencioso e completamente cínico na região, que não tem interesse algum em resolver este conflito. É apenas a China marcando alguns pontos diplomáticos e geopolíticos”, destacou o especialista.