O ex-presidente dos EUA Donald Trump, favorito para concorrer pelo Partido Republicano nas eleições de 2024, sofreu um importante revés nesta terça-feira (19), ao ter sua candidatura desqualificada nas primárias da legenda no estado do Colorado, marcadas para o início de março do ano que vem.
A decisão apertada da corte estadual, por quatro votos a três, sem precedentes na história dos Estados Unidos, foi motivada pelo suposto envolvimento do então mandatário americano na invasão ao Capitólio, ocorrida em 6 de janeiro de 2021, ocasião na qual uma multidão de apoiadores entrou na sede do Legislativo federal.
“O presidente Trump incitou e encorajou o uso da violência e de ações ilegais para perturbar a transferência pacífica de poder”, concluíram os juízes no parecer de 134 páginas, considerando que o ex-presidente agiu para impedir a transição do cargo para o democrata Joe Biden.
Os magistrados se basearam na seção 3 da 14ª Emenda da Constituição, que proíbe que pessoas que participaram de uma insurreição ocupem cargo eletivo.
Com isso, o nome de Trump não deve aparecer como uma opção aos eleitores na cédula de votação no estado do Colorado para se tornar oficialmente o candidato ao cargo de presidente pelo Partido Republicano nas eleições de novembro, quando provavelmente enfrentaria o atual mandatário americano.
No entanto, segundo um comunicado de campanha divulgado após o anúncio da decisão, o ex-presidente recorreria à Suprema Corte dos EUA, de maioria conservadora, onde atuam três magistrados nomeados durante sua gestão, o que pode mudar o rumo do julgamento de inelegibilidade da corte estadual.
O coordenador de pós-graduação em Direito Internacional e Direitos Humanos da Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUCPR), Rudá Ryuiti Baptista, explica que essa é uma decisão inédita no contexto jurídico do país e o fato de Trump recorrer provoca automaticamente a suspensão do julgamento na segunda instância, o que não deve afetar sua campanha para 2024.
“É um julgamento que ainda cabe recurso, o ex-presidente tem até janeiro para recorrer, a própria decisão estadual permite a suspensão do que foi votado. Acredito que esse processo não vá afetar sua campanha, nem mesmo no Colorado", afirma Baptista.
Segundo o especialista, a análise do caso na Suprema Corte deve ocorrer de forma célere, a fim de evitar contratempos na jornada eleitoral do próximo ano e, mesmo na hipótese do recurso ser eventualmente julgado improcedente, “isso pode não afetar o fato dele ganhar as eleições, visto que é um estado de pouca repercussão”.
Apesar disso, Baptista não descarta as chances de uma escalada jurídica da decisão, em caso de negativa do recurso. “Claro que, se mantida a decisão na Suprema Corte, outros estados com demandas represadas e processos no mesmo porte podem ser influenciados pelo julgamento, trazendo à tona um cenário muito pior, mas não vejo que isso proceda assim”, projeta.
“Nos EUA, o sistema jurídico funciona com base em precedentes, é até mais forte que no Brasil, então, uma acusação muito específica como essa vai além de apenas um pensamento puramente jurídico, a ideologia também está presente. Sabendo que a Suprema Corte é de maioria conservadora, é difícil imaginar a continuidade dessa decisão em última instância, é difícil costurar uma derrota do ex-presidente. Como é a primeira vez que uma fundamentação desse porte passa em um estado, ainda não há força suficiente para influenciar a corte federal”, analisa o especialista.
Baptista destaca que, apesar do ineditismo da fundamentação jurídica utilizada pela instância estadual, a defesa de Trump utilizou duas linhas consistentes de argumentação, que devem contribuir com a reversão do julgado.
"Primeiro, o ex-presidente ainda não foi sentenciado no processo do Capitólio, então não há trânsito em julgado sobre o tema. Outra questão é que o tipo penal dessa ação não é o mesmo defendido na fundamentação de inelegibilidade. Portanto, mesmo condenado pelo crime na ação penal, a decisão do Colorado apresenta outra tipificação", explica.
O especialista considera que, mesmo com a baixa possibilidade da Suprema Corte manter o posicionamento da Justiça do Colorado, há respaldo no uso da 14ª emenda na decisão.
"Juridicamente falando, me parece uma decisão boa, é viável, porque a letra da lei não coloca expressamente o cargo, mas menciona genericamente cargo eleito, é abrangente, utiliza de forma genérica os cargos que podem ser passíveis de inelegibilidade, com isso você pode abarcar até mesmo a mais baixa posição", detalha.
Para Baptista, a possível reversão do julgamento na corte federal pode ter ainda como um dos efeitos o alavancamento da campanha de Trump.
"Ele é um candidato midiático, que gosta de holofote, seja pelo lado bom ou ruim. Me parece que quanto mais ele é midiatizado com as acusações, mais ganha visibilidade e se fortalece. Esse caso mais recente já é, inclusive, usado como propaganda por ele, acusando a Justiça de perseguição política. Por ter sido uma votação apertada na corte estadual, ele ainda consegue pegar a decisão e transformar em marketing eleitoral", afirma.
Com a entrada do recurso na Suprema Corte, a decisão estadual ficará suspensa até 4 de janeiro. O ex-presidente dos Estados Unidos atualmente enfrenta outros processos na Justiça americana, que vão desde acusações de tentativa de fraude eleitoral até espionagem.