Além de opressão, falta de quórum e equipamentos básicos fazem com que o funcionamento do órgão esteja em decadência| Foto: MERIDITH KOHUT/ NYT

O Legislativo nacional não aprovou uma lei sequer o ano todo, e seus membros – aqueles que ainda querem a democracia representativa – já passaram por situações em que não havia legisladores em número suficiente para tocar qualquer projeto.  

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O prédio administrativo é um deserto de mesas vazias, computadores inertes e mal-estar. Os corredores estão tomados pela escuridão que só faz crescer, pois as lâmpadas vão queimando e não são substituídas por falta de dinheiro. O gabinete de informação legislativa, que imprime documentos de comitês e de grupos externos, não tem papel. Não que faça muita diferença: as máquinas copiadoras ficaram sem toner em meados deste ano.  

Estes são dias terríveis para a Assembleia Nacional da Venezuela.  

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Opressão do regime de Maduro e crise econômica fazem com que a situação na Assembléia esteja cada vez mais difícil 

O Legislativo, liderado pela oposição desde o ano passado, foi neutralizado este ano quando o Presidente Nicolás Maduro criou um novo corpo legislador composto inteiramente por seus apoiadores, medida criticada na Venezuela e no exterior como inconstitucional. A nova entidade, a Assembleia Constituinte, foi formada para reescrever a constituição, embora seus membros tenham rapidamente garantido sua ampla autoridade para elaborar e aprovar leis, substituindo assim a Assembleia Nacional.  

Essa atitude produziu o cenário bizarro de uma nação com Legislativos concorrentes: um com poder absoluto, o outro, com nenhum. Ambos usam a mesma ala do Capitólio do século 19 para suas sessões, embora essas ocorram em diferentes momentos do dia, para garantir que não haja encontros desagradáveis nos corredores.  

Um grupo acusa o outro de ilegitimidade e de se engajar em uma pantomima de democracia.  

"É uma tragicomédia total. Parece piada", suspirou Juan Guaidó, legislador de oposição na Assembleia Nacional que representa o estado de Vargas.  

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Enquanto a crise política se desenrola, a Venezuela vai afundando mais profundamente no desespero econômico. As perspectivas financeiras se tornaram ainda mais sombrias quando Maduro disse recentemente que ia buscar a renegociação da enorme dívida externa do país, uma atitude seriamente complicada por sanções dos Estados Unidos.  

O desmantelamento da Assembleia Nacional já havia sido previsto quando a oposição assumiu o controle do órgão, após as eleições, em dezembro de 2015. Foi a primeira vez em muitos anos que a oposição obteve maioria legislativa, garantindo uma luta de poder com Maduro e o Partido Socialista Unido da Venezuela.  

O presidente e seus aliados começaram a minar os poderes do Congresso. 

A Suprema Corte, tomada por juízes leais ao presidente, anulou quase todas as leis aprovadas pela Assembleia em 2016, e acabou com seus poderes de supervisão orçamentária, dizendo que seus líderes haviam incorrido em desacato ao ignorar uma ordem que impedia a posse de vários políticos de oposição, a quem o partido no poder acusou de envolvimento em fraude eleitoral.  

Usando a lei do desacato, a administração de Maduro arrochou o orçamento da Assembleia, cortando os salários e as despesas de seus representantes, e os parlamentares de seu partido pararam de frequentar as sessões. A Suprema Corte chegou até mesmo a transferir competências para si mesma, mas, em face à condenação internacional, reverteu grande parte dessa decisão.  

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Maduro também procurou silenciar os dissidentes de outras maneiras, incluindo processos contra líderes da oposição. No dia três de novembro, a corte aprovou o fim da imunidade parlamentar de Freddy Guevara, vice-presidente da Assembleia Nacional, a quem o governo acusou de crimes por seu envolvimento nos protestos de rua este ano.  

Os parlamentares da oposição e a equipe legislativa compararam o calvário de dois anos a um estrangulamento prolongado.  

"Parece ser uma estratégia para ver até onde aguentamos", disse José Ángel, assistente administrativo no escritório da Assembleia Nacional.  

Mesmo assim, o Legislativo perseverou usando pura força de vontade, lutando para manter os procedimentos e responder às preocupações dos eleitores.  

"Sob nenhuma condição vamos parar de fazer o que o povo nos pediu que fizéssemos", disse Delsa Solórzano, parlamentar da oposição.  

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Porém, no geral, a Assembleia Nacional se tornou uma plataforma para que a oposição pudesse criticar a administração de Maduro. Uma recente sessão foi dedicada a alegações de corrupção do governo nas eleições regionais em 15 de outubro. A audiência de uma comissão incluiu testemunhos que mencionam presos políticos.  

"É o espaço restrito que temos para resistir", disse Guaidó.  

A Suprema Corte, tomada por juízes leais ao presidente, anulou quase todas as leis aprovadas pela Assembleia em 2016 

Falta de quórum

Às vezes, porém, não é possível aproveitar nem mesmo esse pouco espaço. Em 31 de outubro, dezenas de membros da Assembleia Nacional e seus assessores se reuniram para uma sessão no Capitólio. Após um atraso de duas horas, a reunião foi cancelada por falta de quórum. Os representantes, desanimados, se retiraram em silêncio.  

A condição desesperadora do Legislativo é motivo de alegria entre os políticos aliados à administração de Maduro.  

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"A Assembleia Nacional neste momento não existe! Eles estão lá. O palco está montado. Eles aprovam algumas políticas que não são pertinentes. Ninguém presta atenção", comemorou Jesús Faría, membro da Assembleia Constituinte e ex-ministro de Comércio Exterior de Maduro.  

E acrescentou, rindo ironicamente: "Não vamos nem mesmo ignorá-los".  

Se estes são tempos difíceis para a Assembleia Nacional e a oposição fraturada, não poderiam ficar melhor para a Assembleia Constituinte e o Partido Socialista Unido. Impulsionado por uma vitória retumbante nas eleições regionais em favor do grupo de Maduro, a Assembleia Constituinte votou pela mudança da data das eleições municipais, em parte para tirar proveito da desordem da oposição.  

Segundo representantes, a Assembleia Constituinte vem aprovando resoluções com entusiasmo e discutindo vários projetos de lei. 

Os críticos, no entanto, afirmam que o grupo de 545 membros, um grande Congresso improvisado que pretendia representar todos os setores da sociedade, é um artifício, e que suas decisões são essencialmente controladas por Maduro e pelas maiores autoridades da Assembleia.  

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Seus membros dizem que, mesmo que todas as votações das sessões tenham sido unânimes, debates genuínos ocorrem nas comissões, que não são abertas ao público.  

Sinecio Mujica, membro da Assembleia Constituinte que dirige uma cooperativa agrícola no estado de Zulia, disse sobre a administração Maduro: "Eles têm influência, sem dúvida, mas não decidem; só propõem".  

Na tarde de 31 de outubro, depois que os representantes da Assembleia Nacional deixaram o Capitólio, membros da Assembleia Constituinte chegaram para seu encontro, primeiro se reunindo por entre as palmeiras e colunatas da praça do edifício para uma homenagem a um cantor popular.  

Os constituintes desfrutaram de um bufê de aperitivos e bebidas variadas. A música dançante saía dos alto-falantes. O ambiente era de comemoração.  

Ao mesmo tempo em que a administração de Maduro permitiu a degradação das instalações da Assembleia Nacional, está finalizando a reforma de um edifício que servirá de sede administrativa da Assembleia Constituinte. O prédio é visível da Assembleia Nacional, e à noite, sua fachada é banhada de luz: uma provocação dos vencedores.  

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As dependências já viveram épocas de alvoroço, tomadas de movimento e energia, com corredores lotados e salas de conferência sempre ocupadas. Agora, com a atividade legislativa quase que totalmente parada, o local está moribundo, o retrato da decadência e da futilidade.  

“Estes são dias terríveis para a Assembleia Nacional da Venezuela” 

Funcionários leais à oposição dizem estar motivados pela promessa de um salário e pela fé, mesmo que minguada, de que o trabalho que realizam possa um dia dar frutos em um mundo político pós-Maduro.  

Javier Rivas, 25 anos, advogado que faz parte da Comissão de Política Nacional, está entre os poucos homens no prédio que ainda usam gravata para trabalhar, um resquício de tempos passados, antes que o uso de camisetas no escritório se tornasse mais comum que jaquetas esportivas. Para ele, a escolha da indumentária é uma demonstração de apoio a uma instituição sitiada, um ato de resistência contra a decadência.  

"Você não pode deixar que as adversidades do governo ou a situação social e econômica o derrotem", disse ele.  

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É uma luta cada vez mais solitária, ele reconhece, mas que não tem intenção de abandonar.  

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