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Guerra espacial

Como a Guerra na Ucrânia se torna espacial e incentiva novos investimentos em satélites por todo o mundo

Lançamento de satélites Starlink em 2020. (Foto: Reprodução/Youtube Nasa)

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A Guerra na Ucrânia vai muito além de terra, céu e mar. Os conflitos estão no espaço e tendem a acontecer cada vez mais a quilômetros de distância do solo. Além disso, a invasão russa incentivou outros países a investirem ainda mais nesse setor, que está na base das disputas no Leste Europeu.

Os ucranianos só não perderam totalmente a conexão com a internet, por exemplo, devido ao sistema Starlink, da Space X do bilionário Elon Musk, tendo em vista que a quase totalidade da infraestrutura tecnológica do país foi bombardeada.

“Starlink é o único sistema de comunicação que continua a funcionar. Todos os outros estão mortos”, tuitou o bilionário em meados de outubro.

Em termos de defesa, o Starlink permite que as forças ucranianas calculem a trajetória de seus mísseis e geolocalizem seus alvos. Por isso, Musk também publicou que “a Rússia está tentando destruir o Starlink”.

Existe uma diferença substancial entre o sistema da Space X e outros espalhados pelo mundo. Tradicionalmente, satélites de comunicação estavam a mais de 20 mil km de distância, além do alcance dos mísseis. Mas a SpaceX mudou essa ordem. Hoje, a constelação da empresa de Elon Musk evolui em órbita baixa, até 550 km de altura, ou 60 vezes mais baixa que os satélites convencionais. A vantagem é uma latência mais curta (tempo que os dados levam para chegar ao destinatário). A desvantagem é uma exposição maior aos mísseis vindos do solo.

Além de ter o Starlink, a inteligência ucraniana está em contato direto com especialistas de empresas privadas americanas de tecnologia espacial, como a Maxar Technologies, Planet Labs e BlackSky. As imagens permitem identificar o avanço das tropas e do equipamento militar do adversário, bem como registrar os abusos russos.

Em Mariupol, por exemplo, poucas horas após o bombardeio de um teatro que abrigava civis, a Maxar havia publicado instantaneamente uma imagem mostrando que a palavra "crianças" estava escrita no chão em enormes letras brancas, para sinalizar a presença de menores a possíveis pilotos de caça.

Movimentação mundial 

Esse cenário de corrida espacial fez outros países apertarem o passo nos investimentos no setor, que já estavam em crescimento.

Nesta semana, os 22 ministros dos países membros da Agência Espacial Europeia (ESA) se encontraram para definir o orçamento da instituição para os próximos três anos e dividi-lo entre os diferentes programas. Para o período 2023-2025, a ESA pede aos seus membros 18,5 mil milhões de euros, um aumento de 25% em relação ao período 2020-2022.

Um salto nunca visto antes. “É necessário para permanecer na corrida com os americanos e os chineses, cujos meios estão aumentando nesse ritmo”, garantiu o gerente-geral Josef Aschbacher. O desenvolvimento do foguete Ariane 6 é uma das metas para a independência espacial europeia.

Mas não é de hoje que a Europa está de olho nas disputas espaciais. Ainda em 2018, a então ministra das Forças Armadas da França, Florence Parly, denunciou a atividade de um satélite russo que se aproximou muito de um satélite militar franco-italiano para ouvir suas transmissões. A França, então, criou um comando específico em 2019 e inflou seu orçamento em 30% em sua última lei de programação militar, elevando-o para 600 milhões de euros anuais.

Já os chineses dobraram seu orçamento em dez anos para se preparar para uma guerra espacial, elevando os gastos para mais de US$ 3 bilhões.

O Reino Unido, por sua vez, formalizou com o ex-premiê Boris Johnson sua ambição de se tornar um ator espacial “significativo” até a década de 2030.

Quanto à Itália, o país desenvolveu o sistema de observação mais poderoso da Europa com o Cosmo-SkyMed.

E os americanos lançaram em 2019 com Donald Trump um comando espacial militar, o Spacecon, planejando um “exército espacial”. "Somos os melhores do mundo no espaço hoje, mas nosso nível de superioridade está diminuindo", declarou o general John Raymond, nomeado chefe da Spacecom, na ocasião. "Queremos nos mover rapidamente e ficar à frente."

Com a invasão russa, a preocupação mundial cresceu. Ainda no início de março, o Ministério das Forças Armadas da França já estava alertando para o perigo de propagação do conflito a dezenas de milhares de quilômetros da Terra. “O que imaginávamos está chegando”, alertou o general Michel Friedling, chefe do Comando Espacial Francês.

“Estamos em constante vigilância e em conexão com nossos parceiros e aliados sobre o que pode acontecer no espaço, que ainda é uma zona cinzenta”, concluiu.

O que está acontecendo e o que pode acontecer 

Em fevereiro, um dia antes da invasão da Ucrânia, milhares de europeus se viram sem conexão de internet. O satélite Viasat tinha sido alvo de um ciberataque, privando o acesso às comunicações por satélite em determinadas zonas da Europa e em particular na Ucrânia. Para o general francês Friedling, esse incidente foi indiscutivelmente causado por um ataque russo.

Ao mesmo tempo, hackers afiliados ao Anonymous (movimento de hackers anônimos) alegaram ter colocado toda a Roscosmos, a agência espacial russa, fora de serviço para que Moscou “perdesse o controle de seus satélites espiões”.

Negando a informação, o diretor da Roscosmos, Dmitry Rogozin, lembrou que “desativar grupos de satélites de qualquer país geralmente constitui um casus belli, ou seja, um motivo para ir à guerra”. Por sua vez, Elon Musk, CEO da SpaceX, disse que era regularmente alvo de tais ataques e teve que gastar recursos significativos para repeli-los.

Mas guerra espacial reserva muitos outros métodos de ataque. “Desde o rompimento de um satélite até sua destruição física, há uma série de ações possíveis”, observou Xavier Pasco, diretor do FRS, ao jornal Le Monde.

“É impossível para a Rússia destruir completamente a rede”, concluiu Paul Wohrer, pesquisador de espaço da Fundação para Pesquisa Estratégica (FRS) ao jornal francês Le Figaro. Ele ainda alertou para o risco, a longo prazo, da “síndrome de Kessler”: a chegada de inúmeros detritos poluindo o espaço. “Seria um desastre ecológico e um grande problema para o uso do espaço nos próximos anos”, alertou o especialista, segundo o qual “a Rússia se exporia a graves consequências internacionais ao assumir tal responsabilidade”.

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