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Presidentes presos

Como a Lava Jato deu certo no Peru

Quatro ex-presidentes presos durante investigações no Peru. (Foto: Divulgação/ Presidência peruana)

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Quatro ex-presidentes peruanos foram condenados durante a extensão da Operação Lava Jato no Peru. Enquanto no Brasil a eleição de Luiz Inácio Lula da Silva sela as anulações de parte dos processos e libertação de condenados, as investigações ainda acontecem no país vizinho e mexem na estrutura política peruana.

Depois que a Lava Jato estourou no Brasil, trazendo à tona escândalos de corrupção envolvendo as principais esferas do Executivo, o Peru instaurou uma comissão, no estilo das CPIs brasileiras, para investigar os desdobramentos dos casos de corrupção no país, através de relações com empresas como a Odebrecht. A empreiteira admitiu ter subornado políticos e outras personalidades em 12 países e, fora o Brasil, o Peru é o que tem, até hoje, mais avançado nas investigações, com dezenas de operações policiais que abalaram a estrutura política do país.

O superfaturamento das obras ligadas à Odebrecht foi estimado em US$ 3 bilhões. Com o acordo de colaboração, a empreiteira se comprometeu a pagar US$ 230 milhões à Justiça peruana.

“Podemos dizer que a Lava Jato no Peru é a principal causa da bagunça que o país está experimentando desde 2016”, destaca o especialista peruano David Fernando Santiago Villena Del Carpio, doutor em direito e professor do curso de Relações Internacionais na Universidade Positivo (UP).

“As investigações serviram de base para reformular leis quanto à contratação com o Estado, assim como aumentar a pena aos funcionários públicos envolvidos em casos de corrupção, a chamada ‘morte civil’, isso é, que essa pessoa nunca mais possa trabalhar para o Estado”, descreve.

Carlo Cauti, professor de relações internacionais no Ibmec SP, lembra que a Odebrecht tinha obras no país vizinho financiadas ou com garantias do BNDES. “Eram obtidas de forma espúria, através de corrupção e pagas pela empreiteira para o PT  e outros partidos aliados. Para atuar fora do país, tinha que corromper duas vezes: tinha corrupção dentro e fora do país. Corrompeu também os políticos locais do Peru”, resume o professor. Cauti destaca que no Peru a Lava Jato continua, enquanto no Brasil, segundo ele, “por ações controversas do Supremo Tribunal Federal (STF) e do Congresso Nacional, a operação foi pulverizada”.

O professor ainda lamenta que “a maioria dos processos estão sendo anulados pelo STF com desculpas esdrúxulas e fracas, juridicamente inconsequentes. Isso não faz sentido em nenhum lugar do mundo”, frisa Cauti, que avalia que “a classe política [brasileira] estava envolvida até a medula nos casos de corrupção”.

Ex-presidentes envolvidos nos escândalos 

Alan García, que cometeu suicídio quando recebeu voz de prisão durante a operação no Peru, foi presidente entre 1985 e 1990 e de 2006 a 2011. Ele passou a ser alvo de uma investigação por ter recebido propina da Odebrecht para a construção de uma linha de metrô na capital peruana, Lima — projeto no qual a empresa brasileira estava envolvida. Também foi preso seu braço-direito na época de governo, Luis Nava, que teria recebido US$ 4 milhões da empreiteira.

A Odebrecht afirmou ter pago US$ 29 milhões em propina no Peru entre 2005 e 2014 para obtenção de contratos. Todos os presidentes desse período foram envolvidos.

Alejandro Toledo (2001-2006) fez o representante da Odebrecht no Peru prometer propinas de US$ 36 milhões em troca de concessão de obras. Ollanta Humala (2011-2016), por sua vez, foi condenado e preso em 2017, junto com a esposa, Nadine, por ter recebido doações irregulares para sua campanha.

Já Pedro Pablo Kuczynski (2016-2018) foi eleito com a promessa de uma agenda anticorrupção. Em 2017, no entanto, passou por um processo de impeachment acusado de ter recebido propinas da Odebrecht quando era ministro de Alejandro Toledo. A empreiteira afirma que repassou US$ 782 mil à empresa de consultoria do ex-presidente.

Até mesmo Keiko Fujimori, filha de Alberto Fujimori (presidente entre 1990 e 2000) e da oposição, foi acusada de receber dinheiro ilícito em sua campanha de 2011.

Castillo nesse contexto

Devido a esses episódios, o país hoje se encontra em uma forte polarização, parecida com a do Brasil.

O presidente destituído na semana passada no Peru, Pedro Castillo, assumiu o cargo em julho do ano passado. Apresentando-se como candidato de extrema-esquerda, com o partido Peru Livre, sua campanha se baseou em descrever Castillo como opção anticorrupção, apontando o dedo para os ex-presidentes envolvidos nos esquemas de propina.

Porém, ao assumir o poder, Castillo seguiu o rumo dos ex-presidentes que pouco duraram no cargo mais importante do país. Desde 2016, cinco presidentes não conseguiram cumprir seu mandato. Castillo sofreu três pedidos de impeachment, relacionados à má gestão e também a envolvimento em casos de corrupção. No dia em que sua destituição seria votada pelo Congresso, ele tentou dar um golpe de Estado e foi preso em seguida, na quarta-feira da semana passada (7).

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