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Rússia

Como a narrativa imperialista de Putin fracassa nas antigas repúblicas soviéticas

Putin tentou tirar o foco de movimentos separatistas contra seu próprio governo na Federação Russa. (Foto: EFE/EPA/MIKHAIL KLIMENTYEV/SPUTNIK/KREMLIN)

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A guerra na Ucrânia revela quão distante das antigas repúblicas soviéticas o presidente Vladimir Putin está. A invasão do país vizinho se arrasta por mais tempo do que as principais autoridades russas previam, o que coloca em evidência uma das razões para isso: os separatistas pró-Rússia não têm tanta força quanto Putin acreditava e, mais do que isso, concordam muito menos com a guerra do que o otimismo imperialista dele podia calcular.

A resistência à guerra está sendo forte por toda a Ucrânia, desde fevereiro. Kharkiv, a segunda maior cidade ucraniana, que tem mais da metade da população formada por russos, dificultou a entrada dos soldados de Putin. Mariupol, um dos principais alvos da invasão, também tem grande parte da população composta por russos e, mesmo assim, se tornou símbolo de resistência.

Ao contrário do que diz a propaganda de Putin sobre os russos na Ucrânia ansiarem pela reaproximação dos ideais soviéticos, quando corredores humanitários foram criados para evacuar cidadãos da Ucrânia para a Rússia, não vimos russófonos desesperados para voltar para os braços de Putin, conforme destaca Sergueï Jirnov, ex-KGB que trabalhou com Putin e hoje é um dos grandes críticos do presidente russo.

Mesmo nas autoproclamadas repúblicas de Donetsk e Luhansk, não reconhecidas internacionalmente como separadas da Ucrânia - a não ser por Belarus, Venezuela, Irã, Coreia do Norte, Índia e China – a resistência prevalece em meio aos ataques russos. Apelidadas de “repúblicas fantoches” por Jirnov, elas serviram de pretexto para a Rússia invadir a Ucrânia, reforçando o discurso de que o povo de lá quer se livrar do governo de Kiev.

No entanto, em 2014, a invasão da Crimeia foi arquitetada por Moscou e não se tratou apenas de uma manifestação espontânea de separatistas pró-Rússia, conforme lembra Jirnov no livro L’Engrenage (A engrenagem, em tradução livre para o português do material publicado pela editora Albin Michel).

Enquanto alimentou a narrativa de que existem inquietos militantes pró-Rússia no país vizinho, Putin tentou tirar o foco de movimentos separatistas contra seu próprio governo na Federação Russa. Formada por 85 membros, dos quais 22 repúblicas, ela é o que resta da antiga União Soviética, e os seus distritos se concentram, principalmente, ao norte do Cáucaso, na área entre o rio Volga e os Montes Urais e na região do lago Baikal. Todos esses territórios estão sujeitos à Constituição russa, apesar de terem idiomas próprios e diferentes manifestações culturais.

“Obviamente, a Federação Russa será abalada por esse ativismo frenético. Vários movimentos separatistas existem há muito tempo. Muitas vezes reprimidos, mais ou menos controlados pelo poder, correm o risco de serem os detonadores da bomba feita pelo déspota do Kremlin”, descreve Jirnov.

Um dos principais movimentos contrários a Moscou acontece na Chechênia. O conflito histórico remonta a Segunda Guerra Mundial, quando o líder comunista Josef Stálin acusou a república independente de contribuir com os alemães. As disputas seguiram por décadas e, nos anos 1990, a Rússia atacou duas vezes o território durante tentativas de separação.

A Chechênia se tornou, então, a protagonista da luta separatista contra o Kremlin. O território é considerado uma região autônoma, com uma república constituída, mas ainda pertencente ao território russo. Hoje comandada por Ramzan Kadyrov, do partido Rússia Unida, os ânimos se acalmaram politicamente na região, apesar da força separatista persistir na sociedade civil.

O Daguestão também se tornou uma das repúblicas autônomas mais perigosas, com frequentes ataques a bombas, especialmente direcionados a autoridades políticas.

Enquanto isso, outros distritos autônomos da Federação Russa seguem sendo pouco citados no debate internacional e dando muitos lucros para os cofres comandados por Putin. Chukotka, por exemplo, é um território judaico com dimensão tão grande quanto a França, mas tem apenas 50 mil habitantes. Aberto aos oceanos Ártico e Pacífico, rico em petróleo, gás e carvão, poderia ser um país independente, fazendo comércio direto com os Estados Unidos e o resto do mundo.

Já a Iacútia, que fica próxima ao círculo polar, tem três milhões de metros quadrados e representa 1/6 do território da Federação Russa. Apesar das temperaturas glaciais, tem um subsolo rico em diamante, gás e petróleo. Também teria tudo para ser uma república à parte, comercializando livremente com o mundo, mas, apesar de ser culturalmente diferente de Moscou, ela pertence à Rússia.

Em uma análise da guerra na Ucrânia feita para a BBC, o pesquisador e repórter Allan Little cita um ditado russo, que na língua original rima perfeitamente, mas em português quer dizer “Uma galinha não é exatamente um pássaro; e a Polônia não está exatamente no exterior". A visão nostálgica, soviética e czaresca de Putin é essa: de que as antigas repúblicas da União Soviética ainda são o quintal de casa. Especialmente a Ucrânia, cujo nome deriva de uma palavra russa que significa “periferia”.

Mas o conflito no país independente da Rússia desde 1991, cuja população voltou às ruas em 2004 contra regimes autoritários, começa a acordar Putin de seus delírios imperialistas. Talvez agora, fique mais clara a importância do alerta de Leonid Ivachov, um renomado militar russo, em 31 de janeiro deste ano, pouco menos de um mês antes da invasão do país vizinho. Ele criou uma declaração assinada por membros da Assembleia geral dos oficiais russos, afirmando que atacar a Ucrânia era “uma loucura”. De acordo com Ivachov, era preciso demitir Putin, pois ele poderia “destruir definitivamente o Estado russo”.

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