Não são apenas os ativistas, a oposição e a Igreja Católica que são vítimas da ditadura da Nicarágua: o meio ambiente também está sendo atingido pelo regime de Daniel Ortega.
No território nicaraguense, está localizada Bosawás, a segunda maior floresta tropical das Américas, atrás apenas da Amazônia. Com uma área de 2 milhões de hectares, cerca de 15% do território da Nicarágua, foi designada em 1997 pela Unesco como Patrimônio Mundial como reserva de biosfera que concentra 10% da biodiversidade mundial.
Nos últimos 20 anos, sua devastação sofreu um grande aumento de ritmo. Segundo dados da plataforma online Global Forest Watch, a área de floresta primária da Reserva de Biosfera Bosawás passou de 99,7% em 2002 para 79% em 2022.
A mistura de corrupção, criminalidade e negligência que tem devastado a floresta também atinge outras áreas de preservação nicaraguenses. Na Reserva Florestal Indio Maíz, localizada no sudeste do país e a segunda maior da Nicarágua, cerca de 23% da área está degradada, em grande parte devido a um grande incêndio ocorrido em 2018.
Como a infraestrutura da ditadura sandinista era insuficiente para combater o fogo, protestos foram realizados na capital nicaraguense, Manágua, e uma campanha pediu ajuda internacional. A Costa Rica ofereceu assistência, mas a ditadura de Ortega recusou, o que aumentou a revolta da população.
O Índice Global do Crime Organizado (Ocindex) de 2023, produzido pela Iniciativa Global contra o Crime Organizado Transnacional, uma rede de mais de 600 especialistas em questões de direitos humanos, democracia, governança e desenvolvimento, destacou os crimes ambientais na Nicarágua.
O documento apontou que o mercado de tráfico de madeira no país centro-americano prospera “devido a acordos informais entre líderes comunitários, governos locais, agentes florestais e outros grupos”, com foco nas vendas para a China.
“Atores integrados pelo Estado emitem licenças de extração de madeira acima da existente, especialmente em regiões florestais protegidas, resultando em desmatamento principalmente em terras indígenas ou nas regiões norte e sul do país”, apontou o Ocindex, que salientou o aumento da violência contra comunidades indígenas e o pagamento de propinas para policiais e militares para que façam vista grossa.
Ditadura sandinista estimula a mineração ilegal
A violência e a degradação ambiental se estendem à mineração ilegal, que, assim como ocorre na Venezuela, ajuda a aliviar as finanças cambaleantes do país, resultado do desastre econômico na Nicarágua.
Durante audiência pública realizada em novembro pela Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH), a ONG ambiental Fundación del Río denunciou que 23% do território da Nicarágua está ocupado hoje por concessões de mineração, muitas delas com operações ilegais.
Na ocasião, o presidente da ONG, Amaru Ruíz, disse que a ditadura sandinista promoveu uma verdadeira onda de concessões desde que Daniel Ortega voltou ao poder, em 2007: desde então, foram 114 concessões.
Ruíz relatou que 79 delas estão localizadas em Bosawás. Na Indio Maíz, também há locais de mineração, “apesar de a extração de metais ser proibida em ambas as reservas”, disse o presidente da Fundación del Río.
Ruíz relatou que 30% do ouro nicaraguense é extraído ilegalmente e que, além de empresas locais, companhias colombianas e canadenses também estão envolvidas no processamento e exportação dessa produção.
O ambientalista também denunciou a comercialização ilícita de 36 toneladas de mercúrio por ano, traficado no departamento de Río San Juan, na fronteira com a Costa Rica, e “lavagem de dinheiro, tráfico de pessoas e comercialização de drogas na área de exploração mineira ilegal”.
Fundo Verde suspendeu projeto de conservação florestal na Nicarágua
A situação é tão crítica que em julho o Fundo Verde para o Clima, ligado às Nações Unidas, suspendeu um projeto de conservação florestal de US$ 117 milhões na Nicarágua devido à escalada da violência contra os povos indígenas.
O projeto havia sido aprovado em 2020 com o objetivo de reduzir o desmatamento nas reservas de Bosawás e Río San Juan. Foi a primeira suspensão de pagamentos desde a criação do fundo, em 2010.
Segundo o site Climate Home News, comunidades indígenas estão sendo perseguidas por grileiros, que se apropriam de terras para explorar os recursos das florestas e criar gado, o que tem levado a dezenas de assassinatos, sequestros e estupros nos últimos anos.
Felix Maradiaga, opositor político nicaraguense, disse em entrevista ao jornal espanhol El País que o dinheiro do fundo vinha sendo desviado para outros fins.
“A diretoria do Fundo Verde, que enviou milhões de dólares à ditadura de Daniel Ortega e Rosario Murillo [primeira-dama e vice-presidente nicaraguense], finalmente tomou a decisão certa e decidiu suspender a entrega do dinheiro à Nicarágua, por descumprimento de políticas e procedimentos”, disse Maradiaga.
“É amplamente sabido que este fundo, concebido com boas intenções no âmbito do programa Bio-CLIMA, tem sido manipulado há anos para financiar estruturas políticas da ditadura”, afirmou.
Amaru Ruíz, da ONG Fundación del Río, disse ao site Diálogo Américas em setembro que o regime de Ortega impôs a proposta e buscou financiamento “nas costas de comunidades indígenas e afrodescendentes”, e que, para ter acesso novamente aos recursos, a Nicarágua deverá contratar uma consultoria, designar terceiros independentes para supervisionar as ações do projeto e adotar transparência na utilização do dinheiro.
A criminalização de ONGs ambientais dificulta a fiscalização e a cobrança de medidas para reverter a devastação: entre as milhares de organizações de sociedade civil fechadas pela ditadura sandinista nos últimos anos, estão várias ligadas ao meio ambiente. A própria Fundación del Río teve seu registro cancelado pelo regime da Nicarágua em 2018.
Ruíz, que está exilado na Costa Rica desde aquele ano, teve sua prisão solicitada pelo Ministério Público da Nicarágua em 2021 por “propagação de notícias falsas”.
Em entrevista ao site especializado em notícias ambientais Mongabay, Ruíz disse que mais de 160 organizações que se dedicavam ao tema foram fechadas na Nicarágua.
“A Nicarágua ficou sem organizações ambientais independentes. Não existe nenhuma organização ambiental independente registrada na Nicarágua”, afirmou o ambientalista.
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