Manifestação em Santiago contra a proposta de nova Constituição do Chile, no último dia 20| Foto: EFE/Alberto Valdés
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No próximo domingo (4), os chilenos vão às urnas para decidir se aprovam ou não uma proposta para uma nova Constituição para o país que vem sendo criticada como “excessivamente progressista”, já que contém medidas como a ampliação dos gastos do Estado (na criação de sistemas nacionais de previdência social e de saúde, por exemplo) sem detalhar de onde virão os recursos para custear isso, tratamento jurídico diferenciado aos povos nativos chilenos, entre outras.

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Para acomodar dezenas de ideias à esquerda do espectro político, os constituintes chilenos escreveram um texto extenso, com 388 artigos.

Se aprovada, a nova Carta Magna teria mais que o dobro do número de artigos da atual Constituição do país, que entrou em vigor durante o regime do ditador Augusto Pinochet (1973-1990), sofreu mudanças desde a redemocratização e tem 143 artigos – eram 129 até 2019, mas houve acréscimos para haver previsão legal para o atual processo constituinte.

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Porém, em estudo publicado em 2014, dois especialistas em ciência política da Universidade de Michigan, George Tsebelis e Dominic J. Nardi Jr., alertaram que, ao contrário do defendido pelos constituintes chilenos, constituições mais extensas não representam necessariamente mais desenvolvimento e prosperidade.

Pelo contrário: ao analisar as constituições de 32 nações integrantes da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) e suas situações econômica e política, eles concluíram que aquelas com cartas magnas mais longas eram mais pobres e mais corruptas.

Tsebelis e Nardi apontaram que é mais comum que emendas constitucionais sejam feitas em cartas magnas mais longas, já que seu excesso de regras muitas vezes restringe a atuação do governante do momento.

“Os resultados sugerem que constituições mais detalhadas são alteradas com mais frequência, apesar de serem mais difíceis de alterar, porque são mais propensas a conter disposições restritivas que impedem a capacidade do governo de aprovar leis necessárias ou desejadas”, escreveram os cientistas políticos.

Da mesma forma, esse “engessamento” do governo também faz com que constituições mais longas estejam associadas a níveis mais baixos de PIB per capita, apontou o estudo.

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“Acreditamos que essa correlação sugere que constituições detalhadas são mais propensas a impedir que os governos adotem medidas necessárias para combater choques econômicos”, apontaram Tsebelis e Nardi.

Os dois pesquisadores destacaram que os países com cartas magnas mais extensas apareceram com resultados piores nas pesquisas de Indicadores de Governança Mundial, do Banco Mundial, e da ONG Transparência Internacional. Entretanto, Tsebelis e Nardi disseram que não está claro se a corrupção gera constituições mais longas ou vice-versa.

“Poderíamos imaginar dois caminhos causais diferentes. Primeiro, sabendo que não podem confiar nas elites políticas para adotar políticas econômicas sólidas, os autores podem adotar constituições mais longas com o objetivo de combater a corrupção. Alternativamente, grupos de interesses especiais corruptos poderiam convencer os redatores constitucionais a proteger seus interesses de problemas futuros. Nesse caso, constituições mais longas resultariam da captura por parte dessas elites e da manipulação com objetivos financeiros”, afirmaram.

Índia tem uma das maiores constituições do mundo

Uma comparação entre as duas maiores democracias do mundo (em termos populacionais) permite corroborar a tese de Tsebelis e Nardi.

A Constituição dos Estados Unidos é um modelo de concisão, por conter apenas sete artigos. Na lista mais recente de indicadores de desenvolvimento humano das Nações Unidas, que compilou dados de 2019, os Estados Unidos apareceram em 17º lugar. No levantamento de percepção da corrupção da Transparência Internacional realizado em 2021, os americanos figuraram em 27º.

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Já a Índia tem uma das maiores constituições do mundo: o texto original, que entrou em vigor em 1950, continha 395 artigos. Desde então, o número de artigos na Carta Magna aumentou para 448. Na lista de desenvolvimento humano da ONU de 2019, a Índia ficou em 131º lugar, e no levantamento da Transparência Internacional do ano passado, em 85º.

Em entrevista ao site de notícias jurídicas Courthouse News Service, o cientista político Patricio Navia, professor da Universidade de Nova Iorque, disse que o “texto extremamente longo” da proposta de nova Constituição chilena “é mais uma plataforma de políticas do que um livro sobre quais serão as regras do jogo”.

“Constituições devem ser curtas. Constituições longas são como contratos longos. Ninguém lê e torna-se necessário modificá-los muitas vezes”, ironizou, alertando que “a longa lista de direitos sociais” da nova carta (cuja rejeição tem liderado as pesquisas no Chile) pode gerar uma conta “impagável”.

“Como os países latino-americanos têm historicamente grandes problemas de endividamento, a nova Constituição equivale a obrigar um alcoólatra em recuperação (em termos de disciplina fiscal) a viver em um bar. Isso não vai acabar bem. Como a Constituição é muito longa, ela se transformaria em uma típica constituição latino-americana. Longa e ambiciosa, mas inexequível”, alertou Navia.

Infográficos Gazeta do Povo[Clique para ampliar]
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