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A Bolívia vive uma crise política. O governador de Santa Cruz, Luís Fernando Camacho Vaca, opositor do presidente socialista Luis Arce Catacora, foi preso na semana passada. De acordo com o governo nacional, Camacho é suspeito de participar de um suposto golpe que levou o ex-presidente socialista Evo Morales (2006-2019) a renunciar ao poder em 2019. Para os apoiadores do governador de Santa Cruz, trata-se de um sequestro.
O vice-governador de Santa Cruz, Mario Aguilera, declara à Gazeta do Povo que Camacho “foi sequestrado por uma operação policial que com certeza pertence às mais altas esferas do Governo Nacional”. Ele também descreve que os veículos oficiais interceptaram o opositor do presidente e, com armas em punho, o levaram até um helicóptero com destino à capital La Paz. Chonchocoro, onde Camacho se encontra, é uma prisão de segurança máxima da Bolívia destinada apenas aos internos mais perigosos.
Aguilera destaca o que ele considera duas irregularidades importantes. “O mandado de prisão foi expedido após a prisão, depois de o governador ter sido sequestrado. Além disso, a prisão ocorreu apesar de uma instrução do judiciário que suspendeu todos os mandados em razão do recesso de férias”, explica.
Isolar Camacho pode ser estratégico para o partido do presidente Catacora, o Movimento ao Socialismo (MAS), uma vez que o governador de Santa Cruz esteve à frente dos protestos que questionavam possíveis fraudes eleitorais na vitória de Morales (também do MAS) em 2019 e porque Camacho é líder do departamento de maior importância nacional.
Santa Cruz tem a maior população (aproximadamente 3,5 milhões de habitantes), além de ser o departamento que mais contribui para o PIB nacional (34%). Historicamente, tem sido o centro da oposição boliviana ao buscar um modelo diferente do encontrado nas áreas andinas do país. “As origens étnicas e históricas de Santa Cruz são completamente diferentes do resto do país, razão pela qual são reivindicadas ideias descentralizadoras dessa região do leste da Bolívia”, avalia Aguilera.
Fraude eleitoral do Movimento Rumo ao Socialismo 2019
Um referendo de 2016 impedia Evo Morales, do MAS, de tentar um terceiro mandato. Mesmo assim, ele concorreu e recebeu maioria dos votos no primeiro turno de 2019.
A Secretaria-Geral da Organização dos Estados Americanos (OEA) apresentou um relatório final da auditoria realizada nas eleições gerais realizadas em 20 de outubro daquele ano na Bolívia. A conclusão foi que houve uma "manipulação enganosa" e "graves irregularidades" que impossibilitavam a validação dos resultados originalmente divulgados pelas autoridades eleitorais bolivianas.
Em resposta, protestos eclodiram em todo o país, sendo Santa Cruz o epicentro da luta. À frente do Comitê Cívico de Santa Cruz, instituição que reúne a representação dos setores mais importantes do departamento, estava Luis Fernando Camacho Vaca, advogado com longa trajetória na luta cívica que liderou a chamada “Greve de 21 dias” - a movimentação social e política que culminou na renúncia de Evo Morales.
Com a saída do político socialista, assumiu o poder de forma interina uma opositora: Jeanine Añez Chávez, 2ª vice-presidente do Senado.
Entretanto, 11 meses após a renúncia de Morales, o MAS, com os candidatos Luis Arce Catacora (ex-ministro da Economia na era de Evo Morales) e David Choquehuanca (ex-chanceler de Evo Morales), venceu as eleições. Iniciou-se aí uma perseguição a líderes da “Guerra de 21 dias”.
O secretário-geral da Organização dos Estados Americanos (OEA), Luis Almagro, afirmou que “o sistema judicial boliviano não está em condições de oferecer as garantias mínimas de um julgamento justo” e pediu a libertação dos detidos.
O Ministério das Relações Exteriores boliviano, por sua vez, considerou as declarações de Almagro como "provocações maliciosas", que "visam favorecer interesses privados e políticos".
Lidia Patty, ex-deputada do MAS de origem indígena, foi a denunciante dos casos chamados de "Golpe I" e "Golpe II", por meio dos quais foram presos líderes oposicionistas como a ex-presidente interina Jeanine Añez, o governador Luís Fernando Camacho, ex-ministros, militares, policiais e ativistas.
“Dizem que sou uma marionete, que me manipulam, que sou apenas um objeto do MAS", mencionou Patty em entrevista à EFE, apontando que as “acusações da direita não são verdadeiras”.
A ex-legisladora mencionou que "em nenhum momento" recebeu ordens de seu partido ou do ex-presidente Morales para ativar a denúncia.
Após as denúncias de Patty, a ex-presidente interina Añez foi condenada em 2021 a 10 anos de prisão, sendo acusada de “terrorismo, sedição e conspiração" pelos acontecimentos de novembro de 2019. Já Camacho recebeu prisão preventiva em dezembro de 2022 por supostamente “tramar um golpe”.
“Isso representa um precedente desastroso para a democracia boliviana. Estamos falando, sem dúvida, de terrorismo de Estado”, conclui o vice-governador de Santa Cruz.