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Como Botsuana se transformou no melhor país da África

Vista aérea de Gaborone, capital da Botsuana | Wikipedia
Vista aérea de Gaborone, capital da Botsuana (Foto: Wikipedia)

Se você procurar informações de Botsuana na internet, saberá rapidamente quais as duas principais vocações desse país africano. A primeira é a mineração de diamantes. De fato, essas pedras preciosas estão para Botsuana como os charutos estão para Cuba. Atualmente, a atividade responde por cerca de 60% das exportações do país – com rendimentos anuais que variam de 1 bilhão de dólares a 3 bilhões. Em média, entre 2002 e 2016 foram produzidos 26 milhões de quilates por ano . Isso faz de Botsuana o segundo maior produtor global de diamante, apenas atrás da Rússia. 

A outra importante disposição de Botsuana é o ecoturismo. O território do país ocupa 581 mil quilômetros quadrados (praticamente o tamanho de Minas Gerais) e é marcado por imensas e intocadas savanas – formações vegetais áridas, com grama baixa e arbustos esparsos. Cerca de 17% dessas terras estão reservadas para parques nacionais. A maior concentração de elefantes do mundo (mais de 50 mil) é encontrada nas savanas botsuanesas. Suricatos, bichinhos simpáticos do tamanho de esquilos, também são comuns nas pastagens do país. Ver esses e outros animais de perto, como gnus, girafas, leões e aves diversas, é o que levou 1,5 milhão de turistas internacionais ao país, em 2015. 

A riqueza natural é, sem dúvida, um fator de sorte e sucesso naquele que é considerado o melhor país da África. Desde que conquistou a independência do Reino Unido, em 1966, Botsuana experimentou um crescimento econômico pujante e invejável. Nas últimas quatro décadas, o produto interno bruto (PIB) aumentou praticamente dez vezes. No mesmo período, a renda per capita se multiplicou por 30. A expectativa de vida também cresceu de modo consistente. Em 2000, com o país assolado por uma epidemia de HIV, os botsuaneses viviam, em média, 48,7 anos. O índice pulou para 64,4 anos em 2014. Um aumento de 32%. 

A receita dos diamantes e dos turistas, no entanto, não é o único fator responsável pelo avanço desses números. Basta olhar para a República Democrática do Congo (RDC). O país também ganhou independência na década de 1960 e é rico em minérios e reservas de animais selvagens. No entanto, o Congo é a nação mais pobre do mundo . O que a diferencia de Botsuana? Estabilidade política e gestão cuidadosa dos recursos. 

A exceção africana 

Quando se tornou independente, Botsuana era tão pobre quanto a maioria dos países africanos. Sem litoral e com uma vastidão de terras desérticas, o país resumia sua economia à agricultura de subsistência. A infraestrutura era rudimentar – só 12 quilômetros de estradas estavam asfaltadas, água e energia elétrica não eram universalizadas e apenas 22 pessoas tinham graduação superior. 

“Quando pedimos a independência, as pessoas pensaram que éramos muito corajosos ou muito tolos”, afirmou certa vez Ketumile Masire, o falecido presidente que comandou Botsuana por quase duas décadas (de 1984 a 1998). 

Em 1967, um ano após a independência, uma enorme área de diamantes foi descoberta em Orapa, a 400 quilômetros da capital Gaborone. Quem encontrou a jazida foi a empresa britânica De Beers, um dos principais conglomerados mundiais envolvidos na mineração e no comércio de diamante. Em vez de seguir a cartilha predatória, comum entre as grandes corporações que exploraram os recursos africanos, a De Beers criou uma espécie de joint venture com o governo. A parceria estipulou uma divisão igualitária da receita advinda da exploração dos brilhantes – 50% para cada lado. 

Foi esse dinheiro que permitiu o desenvolvimento do país. Os recursos possibilitaram a construção de escolas, estradas e hospitais. Programas de referência ajudaram no combate e tratamento ao HIV, embora uma em cada cinco pessoas ainda seja portadora do vírus. Os serviços de bem-estar social fornecem saúde e educação gratuita a todos. Em 2016, Botsuana mantinha 5,4 bilhões de dólares num fundo soberano – uma espécie de aplicação feita pelo país no mercado internacional. Já o banco central tinha uma reserva de 8 bilhões de dólares. 

A estabilidade política também foi importante para o progresso botsuanês. Enquanto as nações vizinhas lutavam contra a violência e a corrupção, Botsuana era considerada a “exceção africana”. O Fórum Econômico Mundial, inclusive, classificou-a como o país menos corrupto da África. 

O presidente de Botsuana é Mokgweetsi Masisi, 55 anos. É um homem respeitado tanto pela comunidade empresarial quanto pelos políticos. A população, na casa dos 2,2 milhões de habitantes (ou um décimo da população de Minas Gerais), também o apoia. “Ele é bem versado com os desafios atuais que o país enfrenta e tenho certeza de que será competente”, disse Mothusi Sename , um motorista de táxi em Gaborone, à agência Reuters. 

O antecessor, Ian Khama, governou de 2008 até março passado. A brasileira Janaina Matarazzo, que morou em Botsuana no mesmo período, elogia o antigo presidente: “Khama se preocupava com o meio ambiente e com os animais selvagens. Foi um presidente muito bom para Botsuana, especialmente para o turismo”. 

A segunda independência 

Diferentemente de Gaborone, onde as ruas são asfaltadas, o trânsito é organizado e os arranha-céus se destacam, o interior do país ainda conserva um aspecto agreste. O deserto prevalece, e a tecnologia contemporânea demora a chegar. É assim em Muan, cidade de 55 mil habitantes ao norte do país. Foi lá onde Matarazzo viveu por cinco anos, antes de passar outros cinco em um acampamento safari. “Dormia em tendas, tomava banho de balde e aprendi a dirigir os carros 4x4 nos parques sozinha”, rememora. 

Ela saiu de São Paulo para se aperfeiçoar como fotógrafa – uma de suas paixões – e trabalhar voluntariamente em prol da conservação da vida selvagem e dos parques nacionais em Botsuana. Seu desafio era estimular os nativos a diversificar a economia, produzindo suvenires e outras peças artísticas para vender aos turistas. “Assim, os moradores não dependeriam tanto do gado”, conta. Ela explica que os animais selvagens são vistos como inimigos nas comunidades próximas aos parques nacionais. Leões e leopardos, por exemplo, costumam atacar as criações de gado, cabras, cavalos e jegues. Elefantes devastam as poucas plantações. 

O que mais preocupa o governo e a população em geral, no entanto, não é necessariamente a dependência da pecuária – mas o fato de a economia estar atrelada aos diamantes. Desde que a De Beers perdeu o controle sobre a oferta global de diamantes, há cerca de uma década, a volatilidade dos preços aumentou. Além do mais, a produção das pedras vem diminuindo. Em 2006, por exemplo, foram geradas 34,2 milhões de quilates. A quantidade caiu para 20,5 milhões em 2016. 

Como os diamantes não são para sempre, o governo tem procurado estimular ainda mais o turismo. Tem dado certo: de 1995 para cá, o volume de visitantes triplicou. A expansão tem gerado empregos, criado novos empreendimentos (hotéis e safaris) e impulsionado outros setores – como alimentação, agências de viagens e lazer. Mas somente o turismo não será capaz de subsidiar o país. A taxa de desemprego, por exemplo, há anos segue estagnada em 20% – e entre os jovens o índice chega a 35%. 

O governo afirma que trabalha para melhorar o quadro. Enquanto isso, os desempregados sobrevivem em subempregos, pedindo vagas de porta em porta e contando com a solidariedade de um ou outro conterrâneo. Mas nunca esmolam dinheiro. “Isso mostra o quanto o povo de Botsuana tem certo nível de educação e respeito”, diz a brasileira Janaina Matarazzo.

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